A cidade e as serras - a casa do espiritismo
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corpo; entrar com perfeição numa sala e irradiar; remexer os estofos e<br />
conferenciar pensativamente com o grande costureiro; rolar pelo Bois pousada<br />
na sua vitória como uma imagem de cera; decotar e branquear o colo; debicar<br />
uma perna de galinhola em mes<strong>as</strong> de luxo; fender turb<strong>as</strong> ric<strong>as</strong> em bailes<br />
espessos; a<strong>do</strong>rmecer com a vaidade esfalfada; percorrer de manhã, toman<strong>do</strong><br />
chocolate, os “Ecos” e <strong>as</strong> “Fest<strong>as</strong>” <strong>do</strong> Fígaro; e de vez em quan<strong>do</strong> murmurar<br />
para o mari<strong>do</strong> – “Ah, és tu?...” Além disso, ao lusco-fusco, num sofá, alguns<br />
curtos suspiros, entre os braços de alguém a quem era constante. Ao meu<br />
Príncipe, nesse ano, pertencia o sofá. E to<strong>do</strong>s estes deveres de Cidade e de<br />
C<strong>as</strong>ta os cumpria sorrin<strong>do</strong>. Tanto sorria, desde c<strong>as</strong>ada, que já du<strong>as</strong> preg<strong>as</strong> lhe<br />
vincavam os cantos <strong>do</strong>s beiços, indelevelmente. M<strong>as</strong> nem na alma, nem na<br />
pele, mostrava outr<strong>as</strong> mácul<strong>as</strong> de fadiga. A sua Agenda de Visit<strong>as</strong> continha mil<br />
e trezentos nomes, to<strong>do</strong>s no Nobiliário. Através, porém, desta fulgurante<br />
sociabilidade arranjara no cérebro (onde decerto penetrara o pó de arroz que<br />
desde o colégio acamava na testa) algum<strong>as</strong> Idéi<strong>as</strong> Gerais. Em Política era pelos<br />
Príncipes; e to<strong>do</strong>s os outros “horrores”, a República, o Socialismo, a Democracia<br />
que se não lava, os sacudia risonhamente, com um bater de leque. Na Semana<br />
Santa juntava às rend<strong>as</strong> <strong>do</strong> chapéu a Coroa amarga <strong>do</strong>s espinhos – pôr serem<br />
esses, para gente bem-n<strong>as</strong>cida, di<strong>as</strong> de penitência e de <strong>do</strong>r. E, diante de to<strong>do</strong> o<br />
Livro ou de to<strong>do</strong> o Quadro, sentia a emoção e formulava finamente o juízo, que<br />
no seu Mun<strong>do</strong>, e nessa Semana, fosse elegante formular e sentir. Tinha trinta<br />
anos. Nunca se embaraçara nos tormentos duma paixão. Marcava, com rígida<br />
regularidade, tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> despes<strong>as</strong> num Livro de Cont<strong>as</strong> encaderna<strong>do</strong> em<br />
pelúcia verde-mar. A sua religião íntima (e mais genuína <strong>do</strong> que a outra, que a<br />
levava to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mingos à missa de S. Felipe du Roule) era a Ordem. No<br />
Inverno, logo que na amável <strong>cidade</strong> começavam a morrer de frio, debaixo d<strong>as</strong><br />
pontes, criancinh<strong>as</strong> sem abrigo – ela preparava com comovi<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> os seus<br />
vesti<strong>do</strong>s de patinagem. E preparava também os de Caridade – porque era boa,<br />
e concorria para Bazares, Concertos e Tômbol<strong>as</strong>, quan<strong>do</strong> fossem patrocina<strong>do</strong>s<br />
pel<strong>as</strong> Duques<strong>as</strong> <strong>do</strong> seu “rancho”. Depois, na Primavera, muito metodicamente,<br />
regatean<strong>do</strong>, vendia a uma adela os vesti<strong>do</strong>s e <strong>as</strong> cap<strong>as</strong> de Inverno. Paris<br />
admirava nela uma suprema flor de Parisianismo.<br />
Pois respiran<strong>do</strong> esta macia e fina flor p<strong>as</strong>samos nós <strong>as</strong> tardes desse Julho<br />
enquanto <strong>as</strong> outr<strong>as</strong> flores pendiam e murchavam na calma e no pó. M<strong>as</strong>, na<br />
intimidade <strong>do</strong> seu perfume, Jacinto não parecia encontrar esse contentamento<br />
de alma, que entre tu<strong>do</strong> que cansa jamais cansa. Era já com a paciente lentidão<br />
com que se sobem to<strong>do</strong>s os Calvários, os mais bem tapeta<strong>do</strong>s, que ele subia a<br />
escadaria de Madame de Oriol, tão suave e orlada de tão fresc<strong>as</strong> palmeir<strong>as</strong>.<br />
Quan<strong>do</strong> a apetitosa criatura, com dedicação, para o entreter, des<strong>do</strong>brava a sua<br />
viva<strong>cidade</strong> como um pavão des<strong>do</strong>bra a cauda, o meu pobre Príncipe puxava os<br />
pêlos <strong>do</strong> bigode murcho, na murcha postura de quem, pôr uma manhã de Maio,<br />
enquanto os melros cantam n<strong>as</strong> sebes, <strong>as</strong>siste, numa igreja negra, a um<br />
responso fúnebre pôr um Príncipe. E no beijo que ele chuchurreava sobre a mão<br />
da sua <strong>do</strong>ce amiga, para despedir, havia sempre alacridade e alívio.<br />
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