A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
-Ó! tia Vicência, olhe que esses elogios to<strong>do</strong>s competem apen<strong>as</strong> à virgem<br />
Maria! A tia Vicência está a cair em peca<strong>do</strong> de i<strong>do</strong>latria! O Jacinto depois vai<br />
encontrar uma criatura apen<strong>as</strong> humana, e tem um desapontamento tremen<strong>do</strong>!<br />
E agora, trotan<strong>do</strong> pela fácil estrada de San<strong>do</strong>fim, lembrava-me aquela<br />
manhã, no 202, em que Jacinto encontrara o retrato dela no meu quarto, e lhe<br />
chamara uma lavradeirona. Com efeito, era grande e forte a Joaninha. M<strong>as</strong> a<br />
fotografia datada <strong>do</strong> seu tempo de viço rústico, quan<strong>do</strong> ela era apen<strong>as</strong> uma<br />
bela, forte e sã planta da serra. Agora entrava nos vinte e cinco, e já pensava, e<br />
sentia – e a alma que nela se formara, afinara, amaciara, e espiritualizava o seu<br />
esplen<strong>do</strong>r rubicun<strong>do</strong>.<br />
A manhã, com o céu to<strong>do</strong> purifica<strong>do</strong> pela trovoada da véspera, e <strong>as</strong> terr<strong>as</strong><br />
reverdecid<strong>as</strong> e lavad<strong>as</strong> pelos chuviscos ligeiros, oferecia uma <strong>do</strong>çura luminosa,<br />
fina, fresca que tornava <strong>do</strong>ce, como diz o velho Eurípedes ou o velho Sófocles,<br />
mover o corpo, e deixar a alma preguiçar, sem pressa nem cuida<strong>do</strong>s. A estrada<br />
não tinha sombra, m<strong>as</strong> o sol batia muito de leve, e roçava-nos com uma carícia<br />
qu<strong>as</strong>e alada. O vale parecia a Jacinto, que nunca ali p<strong>as</strong>sara, uma pintura da<br />
Escola Francesa <strong>do</strong> século XVIII, tão graciosamente nele ondulavam <strong>as</strong> terr<strong>as</strong><br />
verdes, e com tanta paz e frescura corria o risonho Serpão, e tão afáveis e<br />
promete<strong>do</strong>res de fartura e contentamento alvejavam os c<strong>as</strong>ais n<strong>as</strong> verdur<strong>as</strong><br />
tenr<strong>as</strong>! Os nossos cavalos caminhavam num p<strong>as</strong>so pensativo, gozan<strong>do</strong> também<br />
a paz da manhã a<strong>do</strong>rável. E não sei, nunca soube, que plantazinh<strong>as</strong> silvestres e<br />
escondid<strong>as</strong> espalhavam um delica<strong>do</strong> aroma, que tant<strong>as</strong> vezes sentira, naquele<br />
caminho, ao começar o Outono.<br />
-Que delicioso dia! – murmurou Jacinto. – Este caminho para a Flor da<br />
Malva é o caminho <strong>do</strong> Céu... Ó Zé Fernandes, de que é este cheirinho tão <strong>do</strong>ce,<br />
tão bom?<br />
Eu sorri, com certo pensamento:<br />
-Não sei... É talvez já o cheiro <strong>do</strong> Céu!<br />
Depois, paran<strong>do</strong> o cavalo, apontei com o chicote para o vale:<br />
-Olha, acolá, onde está aquela fila de olmos, e há o riacho, já são terr<strong>as</strong> <strong>do</strong><br />
tio Adrião. Tem ali um pomar, que dá os pêssegos mais deliciosos de Portugal...<br />
Hei de pedir à prima Joaninha que te mande um cesto deles. E o <strong>do</strong>ce que ela<br />
faz com esses pêssegos, menino, é alguma coisa de celeste. Também lhe hei de<br />
pedir que te mande o <strong>do</strong>ce.<br />
Ele ria:<br />
-Será explorar demais a prima Joaninha.<br />
E eu (pôr quê?) recordei e atirei ao meu Príncipe estes <strong>do</strong>is versos duma<br />
balada cavalheiresca, composta em Coimbra pelo meu pobre amigo Procópio:<br />
-Manda-lhe um servo queri<strong>do</strong>,<br />
Bem haj<strong>as</strong> <strong>do</strong>na formosa!<br />
E que lhe entregue um anel<br />
E com um anel uma rosa.<br />
132