A cidade e as serras - a casa do espiritismo
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Lisboa, para conversar com o Sesimbra, o meu Administra<strong>do</strong>r. E também à<br />
espera que est<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> acabem, os caixotes surjam, e eu possa voltar<br />
decentemente, com roupa lavada, para a tr<strong>as</strong>ladação...<br />
-É verdade, os ossos...<br />
-M<strong>as</strong> resta ainda o Grilo... Que animal! Pôr onde andará esse perdi<strong>do</strong>?<br />
Então, p<strong>as</strong>sean<strong>do</strong> lentamente na sala enorme, onde a vela de sebo já<br />
derretida no c<strong>as</strong>tiçal de lata era como um lume de cigarro num descampa<strong>do</strong>,<br />
meditamos na sorte <strong>do</strong> Grilo. O estima<strong>do</strong> negro ou fora despeja<strong>do</strong> n<strong>as</strong> lam<strong>as</strong> de<br />
Medina, com <strong>as</strong> vinte e sete mal<strong>as</strong>, aos gritos – ou, regaladamente a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>,<br />
rolara com o Anatole no comboio para Madri. M<strong>as</strong> ambos os c<strong>as</strong>os apareciam ao<br />
meu Príncipe como irremediavelmente destrui<strong>do</strong>res <strong>do</strong> seu conforto...<br />
-Não, escuta, Jacinto... Se o Grilo encalhou em Medina, <strong>do</strong>rmiu na Fonda,<br />
catou os percevejos, e esta madrugada correu para Tormes. Quan<strong>do</strong> amanhã<br />
desceres à Estação, às quatro hor<strong>as</strong>, encontr<strong>as</strong> o teu precioso homem, com <strong>as</strong><br />
tu<strong>as</strong> precios<strong>as</strong> mal<strong>as</strong>, meti<strong>do</strong> nesse comboio que te leva ao Porto e à Capital...<br />
Jacinto sacudiu os braços como quem se debate n<strong>as</strong> malh<strong>as</strong> duma rede:<br />
-E se seguiu para Madri?<br />
-Então, pôr esta semana, cá aparece em Tormes, onde encontra ordem<br />
para regressar a Lisboa e reentrar no teu séquito... Resta o interessante c<strong>as</strong>o<br />
d<strong>as</strong> minh<strong>as</strong> bagagens. Se amanhã encontrares na estação o Grilo, separa a<br />
minha mala negra, e o saco de lona, e a chaleira. O Grilo conhece. E pede ao<br />
Pimenta, ao gordalhufo, que me avise para Guiães. Se o Grilo aportar Tormes,<br />
esfoguetea<strong>do</strong> de Madri, com toda essa malaria, deixa <strong>as</strong> minh<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> aqui, ao<br />
Melchior... Eu amanhã falo ao Melchior.<br />
Jacinto sacudiu furiosamente o colarinho:<br />
-M<strong>as</strong> como posso eu partir para Lisboa, amanhã, com esta camisa de <strong>do</strong>is<br />
di<strong>as</strong>, que já me faz uma comichão horrenda? E sem um lenço... Nem ao menos<br />
uma escova de dentes!<br />
Fértil em idéi<strong>as</strong>, estendi <strong>as</strong> mãos, num belo gesto tutelar:<br />
-Tu<strong>do</strong> se arranja, meu Jacinto, tu<strong>do</strong> se arranja! Eu, largan<strong>do</strong> daqui ce<strong>do</strong>,<br />
pel<strong>as</strong> seis hor<strong>as</strong>, chego a Guiães às dez, ainda sem calor. E, mesmo antes <strong>do</strong><br />
almoço e da cavaqueira com tia Vicência, imediatamente te man<strong>do</strong> pôr um<br />
moço um saco de roupa branca. As minh<strong>as</strong> camis<strong>as</strong> e <strong>as</strong> minh<strong>as</strong> ceroul<strong>as</strong> talvez<br />
te estejam larg<strong>as</strong>. M<strong>as</strong> um mendigo como tu não tem direito a elegânci<strong>as</strong> e a<br />
roup<strong>as</strong> bem cortad<strong>as</strong>. O moço, num bom trote, entra aqui às du<strong>as</strong> hor<strong>as</strong>; tens<br />
tempo de mudar antes de desceres para a Estação... Posso meter na mala uma<br />
escova de dentes.<br />
-Ó Zé Fernandes! Então mete também uma esponja... E um fr<strong>as</strong>co de<br />
água-de-colônia!<br />
-Água de alfazema, excelente, feita pela tia Vicência...<br />
O meu Príncipe suspirou, impressiona<strong>do</strong> com a sua miséria esquálida, e<br />
esta dádiva de roup<strong>as</strong>:<br />
-Bem, então vamos <strong>do</strong>rmir, que estou esfalfa<strong>do</strong> de emoções e de <strong>as</strong>tros...<br />
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