19.04.2013 Views

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

campestre, no pátio, já enfeita<strong>do</strong> para esse efeito de lantern<strong>as</strong> chines<strong>as</strong>. M<strong>as</strong><br />

logo às dez hor<strong>as</strong> me desesperei, ao receber, pôr um moço da Flor da Malva,<br />

uma carta da prima Joaninha, em que dizia “a pena de não poder vir porque o<br />

Papá estava desde a véspera com um leicenço, e ela não o queria aban<strong>do</strong>nar”.<br />

Corri indigna<strong>do</strong> à cozinha, onde a tia Vicência presidia a um violento bater de<br />

gem<strong>as</strong> de ovos dentro duma imensa terrina.<br />

-A Joaninha não vem ! Sempre <strong>as</strong>sim! Diz que o pai tem um incenço...<br />

Aquele tio Adrião escolhe sempre os grandes di<strong>as</strong> para Ter leicenços, ou para<br />

Ter a pontada...<br />

A boa face re<strong>do</strong>ndinha e corada da tia Vicência enterneceu-se.<br />

-Coita<strong>do</strong>! Será em sítio que não se pudesse sentar na carruagem! Coita<strong>do</strong>!<br />

Olha, se lhe escreveres, diz-lhe que ponha um empl<strong>as</strong>trozinho de folh<strong>as</strong> de<br />

alecrim. Era com que teu tio se dava bem.<br />

Eu gritei simplesmente para o moço, que dava de beber ao burro no pátio:<br />

-Diz à Srª D. Joaninha que sentimos muito... Que talvez eu lá apareça<br />

amanhã.<br />

E voltei à janela, impaciente, porque o relógio <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r, muito atr<strong>as</strong>a<strong>do</strong>,<br />

já cantara a meia hora depois d<strong>as</strong> dez e o Príncipe tardava para o almoço. M<strong>as</strong> ,<br />

mal eu me chegara à varanda, apareceu justamente na volta da estrada Jacinto,<br />

de grande chapéu de palha, no seu cavalo, segui<strong>do</strong> <strong>do</strong> Grilo que, também de<br />

chapéu de palha, e abriga<strong>do</strong> sob um imenso guarda-sol verde, se escarranchava<br />

no albardão da velha égua de Melchior. Atrás, um moço com uma maleta à<br />

cabeça. E eu, na alegria de avistar enfim meu Príncipe trotan<strong>do</strong> para a minha<br />

c<strong>as</strong>a de aldeia, no dia <strong>do</strong>s meus trinta e seis anos, pensava noutro natalício, no<br />

dele, em Paris, no 202, quan<strong>do</strong>, entre to<strong>do</strong>s os esplen<strong>do</strong>res da Civilização, nós<br />

bebemos tristemente ad manes, aos nossos mortos!<br />

-Salve! – gritei da varanda. – Salve, <strong>do</strong>mine Jacinthi!<br />

E entoei, para o acolher, um alegre “tarantantan”, o hino da carta!<br />

-Isto pôr aqui também é lin<strong>do</strong>! – gritou ele de baixo. – E o teu palácio tem<br />

um soberbo ar... Pôr onde é a porta?<br />

M<strong>as</strong> eu já me precipitava para o pátio – onde Jacinto, apean<strong>do</strong>, contou<br />

alegremente os tormentos <strong>do</strong> Grilo, que nunca montara a cavalo, e não cessara<br />

de berrar ante os perigos daquela ventura.<br />

E o digno preto, ofegante, lustroso de suor, e lívi<strong>do</strong> sob o esplen<strong>do</strong>r da sua<br />

negrura, exclamava, apontan<strong>do</strong> com a mão trêmula para a pobre égua, que<br />

solta, de cabeça pensativa, parecia de pedra, sobre <strong>as</strong> pat<strong>as</strong> mais imóveis que<br />

marcos:<br />

-Pois se o siô Fernandes visse! Uma fera, que nunca veio quieta. Sempre<br />

para a esquerda, sempre para a direita, pé aqui, pé além! Só para me sacudir!<br />

Só para me sacudir!<br />

E não resistiu. Com a ponta <strong>do</strong> guarda-sol atirou uma pontoada vingativa<br />

contra a égua sobre o albardão.<br />

Subin<strong>do</strong> a escadaria ligeira, penetran<strong>do</strong> no alegre corre<strong>do</strong>r, com a sua<br />

janela ao fun<strong>do</strong> engrinaldada de rosinh<strong>as</strong>, Jacinto louvava grandemente a nossa<br />

122

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!