19.04.2013 Views

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

vimos, aqui vimos! E sempre contigo fiquemos, serra tão acolhe<strong>do</strong>ra, serra de<br />

fartura e de paz, serra bendita entre <strong>as</strong> serr<strong>as</strong>!<br />

Assim, vagarosamente e maravilha<strong>do</strong>s, chegamos àquela avenida de fai<strong>as</strong>,<br />

que sempre me encantara pela sua fidalga gravidade. Atiran<strong>do</strong> uma verg<strong>as</strong>tada<br />

ao burro e à égua, o nosso rapaz, com o seu podengo sobre os calcanhares,<br />

gritou: - “Aqui é que estamos, meus amos!” E ao fun<strong>do</strong> d<strong>as</strong> fai<strong>as</strong>, com efeito,<br />

aparecia o portão da Quinta de Tormes, com o seu br<strong>as</strong>ão de arm<strong>as</strong>, de secular<br />

granito, que o musgo retocava e mais envelhecia. Dentro já os cães ladravam<br />

com furor. E quan<strong>do</strong> Jacinto, na sua suada égua, e eu atrás, no burro de furor.<br />

E quan<strong>do</strong> Jacinto, na sua suada égua, e eu atrás, no burro de Sancho,<br />

transpusemos o limiar solarengo, desceu para nós, <strong>do</strong> alto <strong>do</strong> alpendre, pela<br />

escadaria de pedra g<strong>as</strong>ta, um homem nédio, rapa<strong>do</strong> como um padre, sem<br />

colete, sem jaleca, acalman<strong>do</strong> os cães que se encarniçavam contra o meu<br />

Príncipe. Era o Melchior, o c<strong>as</strong>eiro...<br />

Apen<strong>as</strong> me reconheceu, toda a boca se lhe escancarou num riso<br />

hospitaleiro, a que faltavam dentes. M<strong>as</strong> apen<strong>as</strong> eu lhe revelei, naquele<br />

cavalheiro de bigodes louros que descia da égua esfregan<strong>do</strong> os quadris, o<br />

senhor de Tormes – o bom Melchior recuou, colhi<strong>do</strong> de espanto e terror como<br />

diante duma avantesma.<br />

-Ora essa!... Santíssimo nome de Deus! Pois então...<br />

E, entre o rosnar <strong>do</strong>s cães, num bracejar desola<strong>do</strong>, balbuciou uma história<br />

que pôr seu turno apavorava Jacinto, como se o negro muro <strong>do</strong> c<strong>as</strong>arão<br />

pendesse para desabar. O Melchior não esperava S. Exª!... (Ele dizia sua<br />

incelência)... O sr. Silvério estava para C<strong>as</strong>telo de Vide desde Março, com a<br />

mãe, que apanhara uma cornada na virilha. E decerto houvera engano, cart<strong>as</strong><br />

perdid<strong>as</strong>... Porque o sr. Silvério só contava com S. Exª em Setembro, para a<br />

vindima! Na c<strong>as</strong>a <strong>as</strong> obr<strong>as</strong> seguiam devagarinho, devagarinho... O telha<strong>do</strong>, no<br />

sul, ainda continuava sem telh<strong>as</strong>, muit<strong>as</strong> vidraç<strong>as</strong> esperavam, ainda sem<br />

vidros; e, para ficar, Virgem Santa, nem uma cama arranjada!...<br />

Jacinto cruzou os braços numa cólera tumultuosa que sufocava. Pôr fim,<br />

com um berro:<br />

-M<strong>as</strong> os caixotes? Os caixotes, manda<strong>do</strong>s de Paris, em Fevereiro, há quatro<br />

meses?...<br />

O desgraça<strong>do</strong> Melchior arregalava os olhos miú<strong>do</strong>s, que se embaciavam de<br />

lágrim<strong>as</strong>. Os caixotes?! Nada chegara, nada aparecera!... E na sua perturbação<br />

mirava pel<strong>as</strong> arcad<strong>as</strong> <strong>do</strong> pátio, palpava na algibeira d<strong>as</strong> pantalon<strong>as</strong>. Os<br />

caixotes?... Não, não tinha os caixotes!<br />

-E agora, Zé Fernandes?<br />

Encolhi os ombros:<br />

-Agora, meu filho, só vires comigo para Guiães... M<strong>as</strong> são du<strong>as</strong> hor<strong>as</strong> a<br />

cavalo. E não temos cavalos! O melhor é ver o c<strong>as</strong>arão, comer a boa galinha<br />

que o nosso amigo Melchior nos <strong>as</strong>sa no espeto, <strong>do</strong>rmir numa enxerga, e<br />

amanhã ce<strong>do</strong>, antes <strong>do</strong> calor, trotar para cima, para a tia Vicência.<br />

Jacinto replicou, com uma decisão furiosa:<br />

81

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!