19.04.2013 Views

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

decorosa, cadeir<strong>as</strong> de palhinha, muito envernizad<strong>as</strong>. E a um canto um molho de<br />

varapaus.<br />

Tu<strong>do</strong> resplandecia de <strong>as</strong>seio e ordem. As portad<strong>as</strong> d<strong>as</strong> janel<strong>as</strong>, cerrad<strong>as</strong>,<br />

abrigavam <strong>do</strong> Sol que batia aquele la<strong>do</strong> de Tormes, escaldan<strong>do</strong> os peitoris de<br />

pedra. Do soalho, borrifa<strong>do</strong> de água, subia, na suavizada penumbra, uma<br />

frescura. Os cravos rescendiam. Nem <strong>do</strong>s campos, nem da c<strong>as</strong>a, se elevava um<br />

rumor. Tormes <strong>do</strong>rmia no esplen<strong>do</strong>r da manhã santa. E, penetra<strong>do</strong> pôr aquela<br />

consola<strong>do</strong>ra quietação de convento rural, terminei pôr me estender numa<br />

cadeira de verga junto da mesa, abrir languidamente um tomo de Virgílio, e<br />

murmurar, aproprian<strong>do</strong> o <strong>do</strong>ce verso que encontrara:<br />

Fortunate Jacinthe! Hic, inter arva nota<br />

Et fontes sacros, frigus captabis opacum...<br />

Afortuna<strong>do</strong> Jacinto, na verdade! Agora, entre campos que são teus e<br />

águ<strong>as</strong> que te são sagrad<strong>as</strong>, colhes enfim a sombra e a paz!<br />

Li ainda outros versos. E, na fadiga d<strong>as</strong> du<strong>as</strong> hor<strong>as</strong> de égua e calor desde<br />

Guiães, irreverentemente a<strong>do</strong>rmecia sobre o divino Bucolista – quan<strong>do</strong> me<br />

despertou um berro amigo! Era o meu Príncipe. E muito decididamente, depois<br />

de me soltar <strong>do</strong> seu rijo abraço, o comparei a uma planta estiolada,<br />

emurchecida na escuridão, entre tapetes e sed<strong>as</strong>, que, levada para o vento e o<br />

sol, profusamente regada, reverdece, desabrocha e honra a Natureza! Jacinto já<br />

não corcovava. Sobre a sua arrefecida palidez de superciviliza<strong>do</strong>, o ar<br />

montesino, ou vida mais verdadeira, espalhara um rubor trigueiro e quente de<br />

sangue renova<strong>do</strong> que o virilizava soberbamente. Dos olhos, que na Cidade<br />

andavam sempre tão crepusculares e desvia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, saltava agora um<br />

brilho de meio-dia, resoluto e largo, contente em se embeber na beleza d<strong>as</strong><br />

cois<strong>as</strong>. Até o bigode se lhe encrespara. E já não deslizava a mão desencantada<br />

sobre a face – m<strong>as</strong> batia com ela triunfalmente na coxa. Que sei? Era Jacinto<br />

novíssimo.<br />

E qu<strong>as</strong>e me <strong>as</strong>sustava, pôr eu Ter de aprender e penetrar, neste novo<br />

Príncipe, os mo<strong>do</strong>s e <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> nov<strong>as</strong>.<br />

-Caramba, Jacinto, m<strong>as</strong> então...?<br />

Ele encolheu jovialmente os ombros realarga<strong>do</strong>s. E só me soube contar,<br />

trilhan<strong>do</strong> soberanamente com os sapatos brancos e cobertos de pó o soalho<br />

remenda<strong>do</strong>, que, ao acordar em Tormes, depois de se lavar numa <strong>do</strong>rna, e de<br />

enfiar a minha roupa branca, se sentira de repente como desanuvia<strong>do</strong>,<br />

desenvencilha<strong>do</strong>! Almoçara uma pratada de ovos com chouriço, sublime.<br />

P<strong>as</strong>seara pôr toda aquela magnificência da serra com pensamentos ligeiros de<br />

liberdade e de paz. Mandara ao Porto comprar uma cama, uns cabides... E ali<br />

estava...<br />

-Para to<strong>do</strong> o verão?<br />

-Não! M<strong>as</strong> um mês... Dois meses! Enquanto houver chouriços, e a água da<br />

fonte, bebida pela telha ou numa folha de couve, me souber tão divinamente!<br />

92

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!