A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
-Vê aí o telégrafo!... Ao pé <strong>do</strong> divã. Uma tira de papel que deve estar a<br />
correr.<br />
-E, com efeito, duma re<strong>do</strong>ma de vidro posta numa coluna, e conten<strong>do</strong> um<br />
aparelho esperto e diligente, escorria para o tapete como uma tênia, a longa<br />
tira de papel com caracteres impressos, que eu, homem d<strong>as</strong> serr<strong>as</strong>, apanhei,<br />
maravilha<strong>do</strong>. A linha, traçada em azul, anunciava ao meu amigo Jacinto que a<br />
fragata russa Azoff entrara em Marselha com avaria!<br />
Já ele aban<strong>do</strong>nara o telefone. Desejei saber, inquieto, se o prejudicava<br />
diretamente aquela avaria da Azoff.<br />
-Da Azoff?... A avaria? A mim?... Não! É uma notícia.<br />
Depois, consultan<strong>do</strong> um relógio monumental que, ao fun<strong>do</strong> da Biblioteca,<br />
marcava a hora de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> capitais e o curso de to<strong>do</strong>s os Planet<strong>as</strong>:<br />
-Eu preciso escrever uma carta, seis linh<strong>as</strong>... Tu esper<strong>as</strong>, não, Zé<br />
Fernandes? Tens aí os jornais de Paris, da noite; e os de Londres, desta manhã.<br />
As ilustrações além, naquela p<strong>as</strong>ta de couro com ferragens.<br />
M<strong>as</strong> eu preferi inventariar o gabinete, que dava à minha profanidade serrana<br />
to<strong>do</strong>s os gostos duma iniciação. Aos la<strong>do</strong>s da cadeira de Jacinto pendiam gor<strong>do</strong>s<br />
tubos acústicos, pôr onde ele decerto soprava <strong>as</strong> su<strong>as</strong> ordens através <strong>do</strong> 202.<br />
Dos pés da mesa cordões túmi<strong>do</strong>s e moles, colean<strong>do</strong> sobre o tapete, corriam<br />
para os recantos de sombra à maneira de cobr<strong>as</strong> <strong>as</strong>sustad<strong>as</strong>. Sobre uma<br />
banquinha, e refletida no seu verniz como na água dum poço, pousava uma<br />
Máquina de escrever; e adiante era uma imensa Máquina de calcular, com<br />
fileir<strong>as</strong> de buracos de onde espreitavam, esperan<strong>do</strong>, números rígi<strong>do</strong>s e de ferro.<br />
Depois parei em frente da estante que me preocupava, <strong>as</strong>sim solitária, à<br />
maneira duma torre numa planície, com o seu alto farol. Toda uma d<strong>as</strong> su<strong>as</strong><br />
faces estava repleta de Dicionários; a outra de Manuais; a outra de Atl<strong>as</strong>; a<br />
última de Gui<strong>as</strong>, e entre eles, abrin<strong>do</strong> um fólio, encontrei o Guia d<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> de<br />
Samarcanda. Que maciça torre de informação! Sobre prateleir<strong>as</strong> admirei<br />
aparelhos que não compreendia: - um composto de lâmin<strong>as</strong> de gelatina, onde<br />
desmaiavam, meio chupad<strong>as</strong>, <strong>as</strong> linh<strong>as</strong> duma carta, talvez amorosa; outro, que<br />
erguia sobre um pobre livro brocha<strong>do</strong>, como para o decepar, um cutelo funesto;<br />
outro avançan<strong>do</strong> a boca duma tuba toda aberta para <strong>as</strong> vozes <strong>do</strong> invisível.<br />
Cingi<strong>do</strong>s aos umbrais, lia<strong>do</strong>s às cimalh<strong>as</strong>, luziam arames, que fugiam através <strong>do</strong><br />
teto, para o espaço. To<strong>do</strong>s mergulhavam em forç<strong>as</strong> universais, to<strong>do</strong>s<br />
transmitiam forç<strong>as</strong> universais. A Natureza convergia disciplinada ao serviço <strong>do</strong><br />
meu amigo e entrara na sua <strong>do</strong>mesti<strong>cidade</strong>!...<br />
Jacinto atirou uma exclamação impaciente:<br />
-Ó, est<strong>as</strong> pen<strong>as</strong> elétric<strong>as</strong>!... Que seca!<br />
Amarrotara com cólera a carta começada – eu escapei, respiran<strong>do</strong>, para a<br />
Biblioteca. Que majestoso armazém <strong>do</strong>s produtos <strong>do</strong> Raciocínio e da<br />
Imaginação! Ali jaziam mais de trinta mil volumes, e to<strong>do</strong>s decerto essenciais a<br />
uma cultura humana. Logo à entrada notei, em ouro numa lombada verde, o<br />
nome de Adam Smith. Era pois a região <strong>do</strong>s economist<strong>as</strong>. Avancei – e percorri,<br />
espanta<strong>do</strong>, oito metros de Economia Política. Depois avistei os Filósofos e os<br />
14