19.04.2013 Views

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

A cidade e as serras - a casa do espiritismo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

sempre nua, ou meio despida, ora mostran<strong>do</strong> <strong>as</strong> costel<strong>as</strong> magr<strong>as</strong>, de gata<br />

faminta, ora voltan<strong>do</strong> para o Leitor du<strong>as</strong> tremend<strong>as</strong> nádeg<strong>as</strong>... Eu outra vez<br />

murmurei: - Santo Deus! No café da Paz, o cria<strong>do</strong> lívi<strong>do</strong>, e com um resto de póde-arroz<br />

sobre a sua lividez, aconselhou ao meu apetite, pôr ser tão tarde, um<br />

lingua<strong>do</strong> frito e uma costeleta.<br />

-E que vinho, Sr.Conde?<br />

-Chablis, Sr. Duque!<br />

Ele sorriu à minha deliciosa coluna, através duma prosa muito retorcida,<br />

toda em brilhos de jóia barata, entrevi uma Princesa nua, e um Capitão de<br />

Dragões, que soluçava. Saltei a outr<strong>as</strong> colun<strong>as</strong>, onde se contavam feitos de<br />

cocottes de nomes sonoros. Na outra página escritores eloqüentes celebravam<br />

vinhos digestivos e tônicos. Depois eram os crimes <strong>do</strong> costume. – Não há nada<br />

de novo! Pus de parte a Voz de Paris – e então foi, entre mim e o lingua<strong>do</strong>, uma<br />

luta pavorosa. O miserável, que se frigira rancorosamente contra mim, não<br />

consentia que eu descol<strong>as</strong>se da sua espinha uma febra esc<strong>as</strong>sa. To<strong>do</strong> ele se<br />

ressequira numa sola impenetrável e tostada, onde a faca vergava, impotente e<br />

trêmula. Gritei pelo moço lívi<strong>do</strong>, o qual, com faca mais rija, fincan<strong>do</strong> no soalho<br />

os sapatos de fivela, arrancou enfim àquele malva<strong>do</strong> du<strong>as</strong> tirinh<strong>as</strong>, fin<strong>as</strong> e<br />

curt<strong>as</strong> como palitos, que engoli junt<strong>as</strong>, e me esfomearam. Duma garfada findei<br />

a costela. E paguei quinze francos com um bom luís de ouro. No troco, que o<br />

moço me deu, com a polidez requintada duma civilização muito difundida, havia<br />

<strong>do</strong>is francos falsos. E pôr aquela <strong>do</strong>ce tarde de Maio saí para tomar no terraço<br />

um café cor de chapéu-coco, que sabia a fava.<br />

Com o charuto aceso contemplei o Boulevard, àquela hora em toda a<br />

pressa e estritor da sua grossa sociabilidade. A densa torrente <strong>do</strong>s ônibus,<br />

calhambeques, carroç<strong>as</strong>, parelh<strong>as</strong> de luxo, rolava vivamente, como toda uma<br />

escura humanidade formigan<strong>do</strong> entre pat<strong>as</strong> e rod<strong>as</strong>, numa pressa inquieta.<br />

Aquele movimento continua<strong>do</strong> e rude bem depressa entonteceu este espírito,<br />

pôr cinco anos afeito à quietação d<strong>as</strong> serr<strong>as</strong> imutáveis. Tentava então,<br />

puerilmente, repousar nalguma forma imóvel, ônibus para<strong>do</strong>, fiacre que<br />

estacara num brusco escorregar da pileca; m<strong>as</strong> logo algum <strong>do</strong>rso apressa<strong>do</strong> se<br />

encafuava pela portinhola da tipóia, ou um cacho de figur<strong>as</strong> escur<strong>as</strong> trepava<br />

sofregamente para o ônibus: - e, recomeçava o rolar retumbante . Imóveis,<br />

decerto, estavam os altos prédios hirtos, rib<strong>as</strong> de pedra e cal, que continham,<br />

disciplinavam, aquela torrente ofegante. M<strong>as</strong> da rua aos telha<strong>do</strong>s, em cada<br />

varanda, pôr toda a fachada, eram tabulet<strong>as</strong> enciman<strong>do</strong> tabulet<strong>as</strong>, que outr<strong>as</strong><br />

tabulet<strong>as</strong> apertavam: - e mais me cansava o perceber a tenaz incessância <strong>do</strong><br />

trabalho latente, a devorante canseira <strong>do</strong> lucro, arquejante pôr trás d<strong>as</strong><br />

frontari<strong>as</strong> decoros<strong>as</strong> e mud<strong>as</strong>. Então, enquanto fumava o meu charuto,<br />

estranhamente se apossaram de mim os sentimentos que Jacinto outrora<br />

experimentara no meio da Natureza, e que tanto me divertiam. Ali, à porta <strong>do</strong><br />

café, entre a indiferença e a pressa da Cidade, também eu senti, como no<br />

Campo, a vaga tristeza da minha fragilidade e da minha solidão Bem<br />

certamente estava ali como perdi<strong>do</strong> num mun<strong>do</strong>, que não era fraternal. Quem<br />

141

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!