A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
A cidade e as serras - a casa do espiritismo
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
einan<strong>do</strong> de cima <strong>do</strong> seu fáeton de guerra; e ainda outros sorrisos imóveis, e<br />
barbich<strong>as</strong> à Ren<strong>as</strong>cença, e pálpebr<strong>as</strong> amortecid<strong>as</strong>, e olhos farejantes, e peles<br />
empoad<strong>as</strong> de arroz, que eram tod<strong>as</strong> ilustres e da intimidade <strong>do</strong> meu Príncipe.<br />
M<strong>as</strong>, <strong>do</strong> topo da Avenida d<strong>as</strong> Acáci<strong>as</strong>, recomeçávamos a descer, em p<strong>as</strong>so<br />
sopea<strong>do</strong>, esmagan<strong>do</strong> lentamente a areia; na fila vagarosa que subia,<br />
calhambeque atrás de landau, vitória atrás de fiacre, fatalmente revíamos o<br />
binóculo sombrio <strong>do</strong> homem <strong>do</strong> Boulevard, e os bandós furiosamente negros de<br />
Madame Verghane, e o ventre espapa<strong>do</strong> <strong>do</strong> neoplatônico, e a barba talmúdica, e<br />
tod<strong>as</strong> aquel<strong>as</strong> figur<strong>as</strong>, duma imobilidade de cera, superconhecid<strong>as</strong> <strong>do</strong> meu<br />
camarada, recruzad<strong>as</strong> cada tarde através de revivi<strong>do</strong>s anos, sempre com os<br />
mesmos sorrisos, sob o mesmo pó de arroz, na mesma imobilidade de cera;<br />
então Jacinto não se continha, gritava ao cocheiro:<br />
-Para c<strong>as</strong>a, depressa!<br />
E era pela Avenida <strong>do</strong> bosque, pelos Campos Elísios, uma fuga ardente<br />
d<strong>as</strong> égu<strong>as</strong> a quem a lentidão sopeada, num roer de freios, entre outr<strong>as</strong> égu<strong>as</strong><br />
também del<strong>as</strong> superconhecid<strong>as</strong>, lançava numa ex<strong>as</strong>peração comparável à de<br />
Jacinto.<br />
Para o sondar eu denegria o Bosque:<br />
-Já não é tão diverti<strong>do</strong>, perdeu o brilho!...<br />
Ele acudia, timidamente:<br />
-Não, é agradável, não há nada mais agradável; m<strong>as</strong>...<br />
E acusava a friagem d<strong>as</strong> tardes ou o despotismo <strong>do</strong>s seus afazeres.<br />
Recolhíamos então ao 202, onde, com efeito, em breve embrulha<strong>do</strong> no seu<br />
roupão branco, diante da mesa de cristal, entre a legião d<strong>as</strong> escov<strong>as</strong>, com toda<br />
a eletri<strong>cidade</strong> refulgin<strong>do</strong>, o meu Príncipe se começava a a<strong>do</strong>rnar para o serviço<br />
social da noite.<br />
E foi justamente numa dess<strong>as</strong> noites (um Sába<strong>do</strong>) que nós p<strong>as</strong>samos,<br />
naquele quarto tão civiliza<strong>do</strong> e protegi<strong>do</strong>, pôr um desses brutos e revoltos<br />
terrores como só os produz a fero<strong>cidade</strong> <strong>do</strong>s Elementos. Já tarde, à pressa<br />
(jantávamos com Marizac no clube para o acompanhar depois ao Lobengrin na<br />
Ópera) Jacinto arrochava o nó da gravata branca – quan<strong>do</strong> no lavatório, ou<br />
porque se rompesse o tubo, ou se dessold<strong>as</strong>se a torneira, o jato de água a<br />
ferver rebentou furiosamente, fumegan<strong>do</strong> e silvan<strong>do</strong>. Uma névoa densa de<br />
vapor quente abafou <strong>as</strong> luzes – e, perdi<strong>do</strong>s nela, sentíamos, pôr entre os grilos<br />
<strong>do</strong> escudeiro e <strong>do</strong> Grilo, o jorro dev<strong>as</strong>ta<strong>do</strong>r baten<strong>do</strong> os muros, esparrinhan<strong>do</strong><br />
uma chuva que escaldava. Sob os pés o tapete ensopa<strong>do</strong> era uma lama<br />
ardente. E como se tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> forç<strong>as</strong> da natureza, submetid<strong>as</strong> ao serviço de<br />
Jacinto, se agit<strong>as</strong>sem, animad<strong>as</strong> pôr aquela rebelião da água – ouvimos roncos<br />
sur<strong>do</strong>s no interior d<strong>as</strong> paredes, e pelos fios <strong>do</strong>s lumes elétricos sulcam faísc<strong>as</strong><br />
ameaça<strong>do</strong>r<strong>as</strong>! Eu fugira para o corre<strong>do</strong>r, onde se alargava a névoa grossa. Pôr<br />
to<strong>do</strong> o 202 ia um tumulto de des<strong>as</strong>tre. Diante <strong>do</strong> portão, atraíd<strong>as</strong> pela fumarada<br />
que se escapava d<strong>as</strong> janel<strong>as</strong>, estacionava polícia, uma multidão. E na escada<br />
esbarrei com um repórter, de chapéu para a nuca, a carteira aberta, gritan<strong>do</strong><br />
sofregamente “se havia mortos?”<br />
23