Revista Cena Internacional
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COMPARANDO AS INTERVENÇÕES NO KOSOVO E NO TIMOR LESTE:<br />
SERIAM EXEMPLOS LEGAIS DE INTERVENÇÃO?<br />
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○ Vágner Camilo Alves<br />
pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. É neste quesito que o caso kosovar<br />
não passa em nosso exame. O Conselho de Segurança não ficou alheio à crise na<br />
região, e em setembro de 1998, reconhecendo a gravidade da luta civil na área, aprovou<br />
resolução onde “pedia o fim das hostilidades” e caracterizava a situação como “uma<br />
ameaça à paz e segurança da região” (Resolução 1.199 de 23/09/1998). Não houve<br />
autorização expressa, no entanto, para utilização da força externa visando a pôr fim a<br />
tal ameaça. Na verdade, era muito provável que tal autorização não pudesse ser<br />
conseguida, visto a oposição que China e Rússia, membros permanentes do Conselho,<br />
apresentavam à intervenção naquele momento. A OTAN agiu então por conta própria,<br />
e a ilegalidade de tal ação é tão patente que o próprio ex-Secretário da Aliança Atlântica,<br />
Javier Solana, em artigo saudando entusiasticamente a ação e os motivos que levaram<br />
o Ocidente a ela, deixa claro que “tal passo deve ser visto como uma exceção à regra,<br />
não como uma tentativa de criar um novo Direito <strong>Internacional</strong>” 11 .<br />
Exceções à lei são eventos complicados, caso não estejam previstas na própria<br />
lei. No caso, o próprio agente da intervenção julgou a causa que estava em jogo e<br />
resolveu agir à margem da lei. Intervenções não são eventos comuns, o que significa<br />
que a exceção do Kosovo é estatisticamente muito relevante para aceitarmos que ela<br />
seja somente uma exceção à regra. Ela pode, sim, abrir funestos precedentes para<br />
reiteradas exceções acontecerem, levando o Direito <strong>Internacional</strong> novamente a uma<br />
posição de grande alheamento em relação aos fatos do sistema internacional, fenômeno<br />
comum no passado recente.<br />
E a intervenção no Timor Leste? Como comentado de forma rápida na introdução<br />
deste artigo, as tropas australianas que desembarcaram em setembro de 1999 na<br />
pequena ilha, ou melhor, metade de ilha, estavam devidamente autorizadas para assim<br />
agir pelo Conselho de Segurança da ONU (Resolução 1264 de 15/09/1999). Na verdade,<br />
as Nações Unidas já vinham supervisionando durante todo o ano os preparativos para<br />
consulta popular no Timor Leste que decidiria o status político da região. Em maio, o<br />
governo indonésio firmara um acordo com Portugal no qual se comprometeu a realizar<br />
consulta direta aos mauberes, a fim de que estes decidissem se queriam um status de<br />
autonomia especial dentro da Indonésia ou a independência. Ademais, prometeu velar<br />
pela realização pacífica da consulta e pelo acatamento da decisão popular. Em 30 de<br />
agosto, a população compareceu maciçamente às urnas, e por 78% dos votos a<br />
independência foi a opção escolhida. Mas, por que a Indonésia se dispôs<br />
voluntariamente a proceder assim, e por que o acordo foi firmado com os portugueses?<br />
Algumas explicações históricas são necessárias.<br />
Até 1975, Timor Leste era uma possessão colonial portuguesa. Após a Revolução<br />
dos Cravos em Portugal, em abril de 1974, praticamente todo o império ultramarino