Memória em Movimento - UFPE - Universidade Federal de ...
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M<strong>em</strong>ória <strong>em</strong> <strong>Movimento</strong><br />
Revista <strong>de</strong> Comunicaçao, Política e Direitos Humanos ano 1 n o 0 2 o s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 2007<br />
mesma constitui um fim é o fato atestado por Freyre (1964, p. 86): “o ar<br />
africano, <strong>em</strong> Portugal, foi amolecendo as instituições, a rigi<strong>de</strong>z moral e<br />
doutrinária da igreja”.<br />
Não se t<strong>em</strong> nada novo nesse ponto, somente que a causa <strong>de</strong>ssa<br />
ausência <strong>de</strong> rigi<strong>de</strong>z formal na aplicação da Justiça é, <strong>em</strong> última análise, um<br />
fator relacional como b<strong>em</strong> ressalta DaMatta (1991, p. 65):<br />
no caso brasileiro há s<strong>em</strong>pre uma superestrutura i<strong>de</strong>ológica e jurídica<br />
plenamente coerente e oficial, interpretada por uma infra-estrutura formada<br />
pela teia <strong>de</strong> relações pessoais imperativas que, na prática, modificam muito<br />
os termos do probl<strong>em</strong>a porque introduz<strong>em</strong> precisamente mais um el<strong>em</strong>ento<br />
no esqu<strong>em</strong>a: [...] o elo entre simpatias pessoais e formulações jurídicas<br />
universalizantes.<br />
A falta <strong>de</strong> aplicação imediata <strong>de</strong> um código formal exige a intervenção<br />
arbitrária <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong>. Frente ao rei, que ao mesmo t<strong>em</strong>po é lei,<br />
qualquer criminoso, na medida <strong>em</strong> que atenta contra a lei, atenta contra o<br />
rei. Em toda infração há um crimen majestatis. Contra esse pequeno<br />
regicida, exige-se que se aplique o po<strong>de</strong>r soberano a fim <strong>de</strong> que não só o<br />
crime seja punido, mais ainda, que o rei d<strong>em</strong>onstre seu po<strong>de</strong>r absoluto<br />
(FOUCAULT, 1998). Com qualquer tibieza nas formas <strong>de</strong> organização, no<br />
caso do Brasil, “não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma<br />
força exterior respeitável e t<strong>em</strong>ida” (HOLANDA, 1991, p. 67). Da mesma<br />
forma, no campo político, “representou a formação <strong>de</strong> ditaduras militares,<br />
como alternativa à autarquia do indivíduo e à falta <strong>de</strong> coesão social” (p.<br />
80).<br />
Em Casa Gran<strong>de</strong> & Senzala, obt<strong>em</strong>os uma riqueza infinita <strong>de</strong><br />
ex<strong>em</strong>plos <strong>em</strong> que a representação da figura autoritária coinci<strong>de</strong> com a<br />
estranha percepção <strong>de</strong> um fato indiferente ou claramente negativo <strong>em</strong> sua<br />
valorização socialmente aceitável. É o caso da epid<strong>em</strong>ia <strong>de</strong> sífilis no interior<br />
dos mocambos e muitas vezes estendida à sacada patriarcal. O fato <strong>de</strong> ser<br />
a sífilis uma doença sexualmente transmitida carregava consigo um valor<br />
falocêntrico, no qual o sifilítico d<strong>em</strong>onstrava virilida<strong>de</strong> e ostentava<br />
masculinida<strong>de</strong>, sendo a enfermida<strong>de</strong> muitas vezes estampada como “ferida<br />
<strong>de</strong> guerra”. Como afirma Freyre (1964), acontecia <strong>de</strong> algum jov<strong>em</strong> ser<br />
ridicularizado por não possuir marca <strong>de</strong> sífilis, provando ser “donzelo”.<br />
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