Memória em Movimento - UFPE - Universidade Federal de ...
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M<strong>em</strong>ória <strong>em</strong> <strong>Movimento</strong><br />
Revista <strong>de</strong> Comunicaçao, Política e Direitos Humanos ano 1 n o 0 2 o s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 2007<br />
nossa vida, individual e coletiva, a partir <strong>de</strong> padrões que são, também,<br />
produtos <strong>de</strong> expectativas sociais.<br />
... o papa Gregório XIII resolveu proce<strong>de</strong>r a uma revisão do<br />
calendário juliano, porque, no <strong>de</strong>correr dos séculos, o equinócio da<br />
primavera, do qual, no ano <strong>de</strong> 325, o concílio <strong>de</strong> Nicéia fizera<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r a festa <strong>de</strong> Páscoa, havia-se <strong>de</strong>slocado paulatinamente <strong>de</strong><br />
21 para 11 <strong>de</strong> março. Uma bula papal suprimiu <strong>de</strong>z dias do ano <strong>de</strong><br />
1552, <strong>de</strong>cidindo que o dia seguinte a 4 <strong>de</strong> outubro seria 15 <strong>de</strong><br />
outubro, e não 5 (ELIAS, 1998, p.47).<br />
Por mais que nos pareça curiosa a supressão <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias <strong>de</strong> um ano<br />
<strong>em</strong> nome <strong>de</strong> um ajuste do calendário <strong>em</strong> relação a um evento natural, não<br />
foi simplesmente o inusitado que chamou a atenção da população naqueles<br />
dias. As pessoas po<strong>de</strong>riam sentir que suas vidas estavam sendo lesadas <strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>z dias, ou seja, que viveriam um pouco mais <strong>de</strong> uma s<strong>em</strong>ana a menos<br />
<strong>de</strong>vido a uma <strong>de</strong>cisão arbitrária do papa. Tinham suas leituras tão ajustadas<br />
ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> funcionamento do t<strong>em</strong>po naquela socieda<strong>de</strong>, que entendiam<br />
suas vidas a partir da repetição <strong>de</strong> dias e noites.<br />
... <strong>em</strong> 1752, quando o governo britânico <strong>de</strong>cidiu alterar o<br />
calendário <strong>de</strong> modo a fazê-lo coincidir com o que fora previamente<br />
adotado pela maioria dos outros países da Europa Oci<strong>de</strong>ntal, e<br />
<strong>de</strong>cretou que o dia seguinte a 2 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>veria ser registrado<br />
como 14 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro, muita gente pensou que, com isso, suas<br />
vidas estavam sendo encurtadas. Alguns trabalhadores,<br />
acreditando <strong>de</strong> fato que per<strong>de</strong>riam o pagamento referente a 11<br />
dias, amotinaram-se, clamando: “Devolvam nossos 11 dias!”<br />
(WHITROW, 1993, p.15).<br />
Parec<strong>em</strong>os não fazer muito diferente disso. As festas <strong>de</strong> aniversário ou<br />
as brinca<strong>de</strong>iras com o ganho/perda <strong>de</strong> horas com fusos e horários <strong>de</strong> verão,<br />
freqüent<strong>em</strong>ente chamam atenção, <strong>em</strong> nossos dias, para a íntima relação<br />
que estabelec<strong>em</strong>os com o mo<strong>de</strong>lo mecânico <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po que rege a nossa<br />
socieda<strong>de</strong>. Deixamos <strong>de</strong> lado, quase s<strong>em</strong>pre, a idéia <strong>de</strong> que são<br />
sobrepostas a esse funcionamento mecânico do nosso t<strong>em</strong>po expectativas<br />
<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> – que, marcada pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, expressa uma<br />
disputa.<br />
O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento técnico do hom<strong>em</strong> nos últimos duzentos<br />
anos marca intensamente a construção <strong>de</strong> um t<strong>em</strong>po ainda mais veloz,<br />
pautado nos gran<strong>de</strong>s inventos e na fantástica visão do que se chamou <strong>de</strong><br />
al<strong>de</strong>ia global: um mundo inteiro conectado não somente por fios <strong>de</strong><br />
telefone, fibras óticas, aviões supersônicos ou trens-bala, mas por um<br />
projeto <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po violentamente único. Em outras palavras, o sujeito<br />
humano, ao final do século XX, parece ter chegado à conclusão <strong>de</strong> que<br />
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