Revisão <strong>de</strong> LiteraturaINFECÇÕES HOSPITALARES: REPENSANDO A IMPORTÂNCIA DA HIGIENIZAÇÃODAS MÃOS NO CONTEXTO DA MULTIRRESISTÊNCIA.HOSPITAL INFECTIONS: RETHINKING THE IMPORTANCE OFHANDWASHING IN CONTEXT OF MULTI-RESISTANCE.INFECCIONES INTRA-HOSPITALARIAS: LA IMPORTANCIADE LA HIGIENIZACIÓN DE LAS MANOS EN EL CONTEXTODE LA MULTIRRESISTENCIAAdriana Cristina <strong>de</strong> Oliveira*RESUMOMais <strong>de</strong> um século após a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> S<strong>em</strong>melweis sobre a importância da lavag<strong>em</strong> das mãos, ainda existe uma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> impl<strong>em</strong>entála.Acredita-se que os microrganismos mais associados à ocorrência das infecções são pertencentes à flora transitória, po<strong>de</strong>ndo ser facilmenteeliminados pela higienização das mãos. Outra antiga preocupação v<strong>em</strong> ganhando enorme repercussão mundial no contexto das infecções hospitalares:a <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> microrganismos multirresistentes. Este artigo <strong>de</strong> revisão discute as atitu<strong>de</strong>s dos profissionais e a importância das ações do Programa<strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Infecção Hospitalar, como medida para reduzir a transmissão <strong>de</strong> microrganismos multirresistentes e aumentar a a<strong>de</strong>são à higienizaçãodas mãos.Palavras-Chave: Infecção Hospitalar / Prevenção e Controle; Lavag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Mãos; Ambiente <strong>de</strong> Instituições <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.A s infecções hospitalares são aquelas adquiridas nohospital e que se manifestam durante a internação ou após aalta hospitalar. Representam um dos mais importantesprobl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública no mundo e sua ocorrência é tãoantiga quanto a história dos hospitais 1-2 .Des<strong>de</strong> os t<strong>em</strong>pos im<strong>em</strong>oriais a humanida<strong>de</strong> v<strong>em</strong> tentandoprover atenção, proteção e cuidados especiais às pessoasenfermas, a partir da segregação das mesmas, <strong>em</strong> locaisespecíficos até a criação dos hospitais.Registros do século IV d.C. <strong>de</strong>screv<strong>em</strong> a ocorrência <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s epid<strong>em</strong>ias como varíola e peste bubônica, nos locaison<strong>de</strong> os doentes eram confinados, facilitando a transmissãodas infecções 1,3-4 .Nessa época, a diss<strong>em</strong>inação das doenças ocorria comfacilida<strong>de</strong>, dadas as condições propícias para a transmissão,<strong>em</strong> que a tría<strong>de</strong> epid<strong>em</strong>iológica - agente, hospe<strong>de</strong>iro e meioambiente – se encontrava <strong>em</strong> íntima correlação, sujeita aconstantes <strong>de</strong>sequilíbrios 3 .Consi<strong>de</strong>rando a precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos humanos, a infraestruturaina<strong>de</strong>quada e o <strong>de</strong>sconhecimento da existência dosmicrorganismos, po<strong>de</strong>-se supor como as doenças sediss<strong>em</strong>inavam e quão alta era a mortalida<strong>de</strong> por infecção,apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecida, não mensurada e muitas vezesatribuída aos <strong>de</strong>uses, à magia ou até mesmo a fatoresrelacionados ao aspecto comportamental 1,3 .A criação dos hospitais r<strong>em</strong>onta aos séculos XVIII e XIX, naEuropa, basicamente para o tratamento <strong>de</strong> pessoas pobres,pois as <strong>de</strong> melhor situação financeira optavam por tratamentodomiciliar 1,4 .Na Áustria, <strong>em</strong> 1847, Ignaz Philipp S<strong>em</strong>melweis, obstetra, dohospital <strong>de</strong> Viena, <strong>em</strong> um trabalho <strong>de</strong> investigação sobreinfecções no pós-parto, associou a transmissão <strong>de</strong> infecções àprecarieda<strong>de</strong> da lavag<strong>em</strong> das mãos na enfermaria atendida porestudantes <strong>de</strong> medicina quando comparada com a mortalida<strong>de</strong>da enfermaria atendida exclusivamente por parteiras, numamesma maternida<strong>de</strong>, constatando maior índice <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong>entre as parturientes atendidas pelos estudantes. E, assim, <strong>em</strong>15 <strong>de</strong> maio do mesmo ano, S<strong>em</strong>melweis instituiu aobrigatorieda<strong>de</strong> da lavag<strong>em</strong> das mãos com água clorada antesdo atendimento ao parto, fato este que reduziusubstancialmente as taxas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 12% para 3%entre as puérperas 1, 3-4 .Outra investigação merecedora <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque ocorreu naInglaterra, <strong>em</strong> 1863, quando Florence Nightingale, apósobservações feitas e com o objetivo <strong>de</strong> reduzir o risco <strong>de</strong>infecções, tão altos naquela época, passou a valorizar ascondições do paciente e do ambiente <strong>de</strong>stacando a limpeza,* Enfermeira. Professora Doutora do Departamento <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong> Básicada <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais. Contato:En<strong>de</strong>reço para correspondência:Av. Alfredo balena, 190Santa Efigênia - Belo Horizonte - MGCEP: 30130.100E-mail: adriana@enf.ufmg.br140 - Rev. Min. Enf., 7(2):140-44, jul./<strong>de</strong>z., 2003
INFECÇÕES HOSPITALARES: REPENSANDO A IMPORTÂNCIA DA HIGIENIZAÇÃODAS MÃOS NO CONTEXTO DA MULTIRRESISTÊNCIA.iluminação natural, odores, calor, ruídos e sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> esgoto,mais do que a arquitetura pura e simplesmente estética,reduzindo drasticamente as taxas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 42% paraíndices inferiores a 2%, entre os soldados <strong>de</strong> guerra 4,5 .Após a implantação <strong>de</strong>ssas medidas <strong>de</strong> prevenção, Florence<strong>de</strong>screveu as estratégias relacionadas com o cuidado dopaciente e o ambiente hospitalar, e suas teorias constituíram abase do mo<strong>de</strong>rno controle <strong>de</strong> infecção hospitalar 4-5 .Na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, época marcada porgran<strong>de</strong>s guerras e epid<strong>em</strong>ias, verifica-se que as condiçõeshospitalares ainda eram <strong>de</strong>ploráveis. Se, por um lado, a cirurgiaalcança gran<strong>de</strong>s progressos relacionados à introdução daanestesia geral, fato este que possibilitou uma maior segurançado cirurgião <strong>em</strong> relação ao controle da dor no ato operatório,tornando as cirurgias menos traumáticas e mais complexas,com maior perícia e habilida<strong>de</strong> do cirurgião, por outro lado, noperíodo pós-operatório, as supurações cirúrgicas continuavama fazer um elevado número <strong>de</strong> vítimas.Tais eventos eram responsáveis pelas altas taxas d<strong>em</strong>ortalida<strong>de</strong>, chegando a 90% por ocasião <strong>de</strong> guerras eepid<strong>em</strong>ias. Relatos da ausência <strong>de</strong> qualquer cuidado com ahigienização <strong>de</strong> ambientes, mãos, instrumentais ou roupaspod<strong>em</strong> ser ilustrados pela <strong>de</strong>scrição que se segue, “oscirurgiões protegiam suas roupas durante as cirurgias comaventais, capotes ou toalhas, usando-os <strong>em</strong> todas as cirurgias,s<strong>em</strong> a troca. Carregavam <strong>em</strong> suas lapelas, bolsos e até na casados botões: agulhas, fios <strong>de</strong> sutura e instrumentos, porachar<strong>em</strong> mais cômodo, fácil <strong>de</strong> transportar e consi<strong>de</strong>rando opouco t<strong>em</strong>po que tinham, habituavam-se a segurar o bisturi naboca enquanto operavam” 1,3No início do século XX, as gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas nas áreas damedicina tropical, da bacteriologia e da parasitologiapossibilitaram o conhecimento das formas <strong>de</strong> transmissão dasdoenças através <strong>de</strong> agentes infecciosos. Começou assim umaoutra batalha, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agentes que combatess<strong>em</strong> osmicrorganismos. E assim, no século passado, no início dosanos 30, surgiram os primeiros antibióticos e as décadas <strong>de</strong> 40e 50 foram conhecidas como a “era <strong>de</strong> ouro dos antibióticos” 6 .Tão rápido quanto sua <strong>de</strong>scoberta apareceram os efeitoscolaterais <strong>de</strong>ssas drogas e surgiram as cepas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadosmicrorganismos resistentes, <strong>de</strong>correntes do seu uso in<strong>de</strong>vido 3,5-6 .Em meados <strong>de</strong> 1950 e início <strong>de</strong> 1960, registrou-se umapand<strong>em</strong>ia <strong>de</strong> Staphilococcus aureus, pelo uso irrestrito dosnovos antibióticos (penicilinas) recém-<strong>de</strong>scobertos e utilizadosindiscriminadamente no período pós-guerra. Na ocasião,acreditava-se que o probl<strong>em</strong>a das infecções hospitalares estavaresolvido, porém, o cenário mundial contradisse estapressuposição, trazendo à tona o gran<strong>de</strong> probl<strong>em</strong>a daresistência bacteriana aos agentes antimicrobianos(multirresistência) 1,3-6 .No Brasil, a situação das infecções hospitalares não édiferente dos relatos registrados no Primeiro Mundo,<strong>de</strong>spertando crescente interesse pelo assunto a partir <strong>de</strong> 1960,<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> do aumento do número <strong>de</strong> casos, da resistência dosmicrorganismos e da alta mortalida<strong>de</strong> observada <strong>em</strong> todo omundo. Somadas a isso também se <strong>de</strong>stacaram as questões<strong>de</strong> âmbito psicossocial e econômico experimentadas pelosfamiliares <strong>de</strong> pacientes acometidos, como <strong>de</strong>sgaste <strong>em</strong>ocionaldo paciente, <strong>de</strong> sua família e o prejuízo social causado peloafastamento do trabalho e a redução da renda familiar 5,6 .A prevenção e o controle das infecções hospitalares <strong>de</strong>v<strong>em</strong>aten<strong>de</strong>r a exigências éticas inerentes à prestação da assistênciaà saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> das instituições e dosprofissionais envolvidos direta ou indiretamente neste processo,além <strong>de</strong> contribuir para a redução dos gastos hospitalares 6-10 .Retornando ao passado, um gran<strong>de</strong> avanço na prevençãodas infecções hospitalares foi a constatação da importância dalavag<strong>em</strong> das mãos pelos profissionais antes e após examinar<strong>em</strong>o doente 1,3-4 .Atualmente, acredita-se que uma proporção consi<strong>de</strong>ráveldas infecções hospitalares pod<strong>em</strong> ser evitadas, sendo alavag<strong>em</strong> das mãos ainda bastante importante neste contexto,pois os microrganismos mais associados à ocorrência <strong>de</strong> taisinfecções são pertencentes à microbiota transitória (adquiridaatravés dos contatos estabelecidos com pessoas colonizadasou infectadas e/ou com objetos contaminados). Essesmicrorganismos pod<strong>em</strong> ser eliminados através da lavag<strong>em</strong> dasmãos, sendo que, quando não realizada ou se realizada <strong>de</strong>forma ina<strong>de</strong>quada, constitui uma pr<strong>em</strong>issa básica para atransmissão <strong>de</strong> microrganismos 7,8,9 .Entretanto, mais <strong>de</strong> um século e meio após a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>S<strong>em</strong>melweis sobre a importância <strong>de</strong>ssa medida, ainda existeuma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> impl<strong>em</strong>entá-la entre os profissionaisda área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 10-14 . Nesse sentido, as Comissões <strong>de</strong> Controle<strong>de</strong> Infecção Hospitalar (CCIH) incentivam a lavag<strong>em</strong> das mãos,<strong>de</strong> acordo com as recomendações do Ministério da Saú<strong>de</strong>,publicadas na sua última Portaria atualmente <strong>em</strong> vigor 2 .Contudo, não basta apenas o incentivo constante à lavag<strong>em</strong>das mãos. Convém repensar a difícil situação dos hospitais ed<strong>em</strong>ais serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do País representadas pela escassez<strong>de</strong> recursos humanos qualificados para a prestação <strong>de</strong>assistência <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> que tanto se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, muitas vezesincompatível com a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r um gran<strong>de</strong>número <strong>de</strong> pacientes, falta <strong>de</strong> recursos materiais e <strong>de</strong>a<strong>de</strong>quadas condições <strong>de</strong> trabalho (ausência <strong>de</strong> pias paralavag<strong>em</strong> das mãos, falta <strong>de</strong> sabão, papel toalha, lixeirasa<strong>de</strong>quadas etc).Para agravar esta situação, uma antiga preocupação v<strong>em</strong>ganhando enorme repercussão mundial no contexto dasinfecções hospitalares, a <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> microrganismosmultirresistentes, que v<strong>em</strong> <strong>de</strong>spertando especial atenção dos- Rev. Min. Enf., 7(2):140-44, jul./<strong>de</strong>z., 2003141