ASSISTÊNCIA IMEDIATA AO RECÉM-NASCIDO ASFIXIADO: REVISÃO DASRECOMENDAÇÕES DO GUIA PRÁTICO DE REANIMAÇÃO NEONATALIMMEDIATE CARE FOR ASPHYXIATED NEWBORN: NEONATALRESUSCITATION GUIDELINE RECOMMENDATIONS REVIEWASISTENCIA INMEDIATA AL RECIÉN NACIDO ASFIXIADO:REVISIÓN DE LAS RECOMENDACIONES DE LA GUÍAPRÁCTICA DE REANIMACIÓN NEONATALKarina Fernan<strong>de</strong>s*Amélia Fumiko Kimura**Sônia Maria Junqueira Vasconcellos<strong>de</strong> Oliveira**RESUMOEste trabalho aborda as modificações ocorridas nas recomendações do guia prático <strong>de</strong> reanimação neonatal <strong>de</strong> 2000 revisado pela American Acad<strong>em</strong>yof Pediatrics e American Heart Association para o atendimento do recém-nascido asfixiado. Apresenta consi<strong>de</strong>rações sobre a incidência da asfixiaperinatal, o protocolo atualizado <strong>de</strong> atendimento ao recém-nascido com fluido meconial, prevenção <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> calor, oxigenação e ventilação,massag<strong>em</strong> cardíaca, medicações, expansores <strong>de</strong> volume e acesso vascular. Traça consi<strong>de</strong>rações sobre a atribuição da enfermeira como el<strong>em</strong>entointegrante da equipe multidisciplinar.Palavras-Chave: Asfixia Neonatal / Enfermag<strong>em</strong>; Ressucitação Cardiopulmonar / Enfermag<strong>em</strong>; Serviço Hospitalar <strong>de</strong> Emergência.E m aproximadamente 90% dos partos ocorridos, osconceptos nasc<strong>em</strong> <strong>em</strong> boas condições <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong>requerendo pouca ajuda para adaptar-se à vida extra-uterina.Entretanto, <strong>em</strong> cerca <strong>de</strong> 10% dos partos ocorridos <strong>em</strong>ambientes hospitalares, os recém-nascidos requer<strong>em</strong>assistência para o estabelecimento da função respiratória ecardíaca. Nos países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>em</strong> 1% dos partos,<strong>em</strong>pregam-se medidas intensivas <strong>de</strong> reanimação/ressuscitaçãoneonatal para restabelecer a função cardiopulmonar do recémnascido.Estima-se a ocorrência <strong>de</strong> 5 milhões <strong>de</strong> mortesneonatais por ano no mundo, sendo 19% <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> asfixiano parto. Esse dado indica que aproximadamente um milhão d<strong>em</strong>ortes por asfixia po<strong>de</strong>riam ser evitadas com a adoção <strong>de</strong>técnicas apropriadas <strong>de</strong> reanimação neonatal 1,2 .Asfixia perinatal <strong>em</strong> recém-nascidos a<strong>de</strong>quados para a ida<strong>de</strong>gestacional é incomum nos países <strong>de</strong>senvolvidos. Entretanto,continua a ser um dos maiores probl<strong>em</strong>as nos países <strong>em</strong><strong>de</strong>senvolvimento e uma causa freqüente <strong>de</strong> admissões <strong>em</strong>unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> internação neonatal. A asfixia perinatal éresponsável por 25% a 35% das mortes neonatais nos países<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Nesses países, os fatores que contribu<strong>em</strong>para as altas taxas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> e morbida<strong>de</strong> neonatal são:<strong>de</strong>ficiência na quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> da assistência pré-natal,manejo ina<strong>de</strong>quado da assistência ao parto, atraso dapopulação na procura por assistência médica, além da falta <strong>de</strong>recursos para fornecer uma a<strong>de</strong>quada reanimação neonatal nascomplicações pós-asfixia 3 .Esse contexto sugere que milhares <strong>de</strong> recém-nascidospo<strong>de</strong>riam ser beneficiados se houvesse uma apropriada técnica<strong>de</strong> reanimação neonatal e se impl<strong>em</strong>entass<strong>em</strong> treinamentos atodos os profissionais envolvidos na assistência ao parto eno nascimento.Recomendações nos protocolos <strong>de</strong> atendimento:consenso internacional baseado <strong>em</strong> evidênciascientíficasDefinir as melhores práticas na reanimação neonatal émedida fundamental e <strong>de</strong>ve ser tomada como uma priorida<strong>de</strong>na assistência ao parto e nascimento 4 .Uma reanimação neonatal efetiva e eficaz requer um grupo<strong>de</strong> profissionais habilitados tecnicamente, com competência eque atu<strong>em</strong> como grupo <strong>de</strong> trabalho, com atribuições <strong>de</strong>finidase compartilhadas e aceitas por todos. Alguns el<strong>em</strong>entos sãonecessários e <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estar explícitos para todos os profissionaisque atuam nessa equipe. Comunicação clara entre os m<strong>em</strong>bros* Enfermeira obstétrica. Mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong>Enfermag<strong>em</strong> da <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong> da USP.** Enfermeira obstétrica. Profa. Dra. do Departamento <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong>Materno-Infantil e Psiquiátrica da <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong> da USP.En<strong>de</strong>reço para correspondência:Amélia Fumiko Kimura - <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong> da USP – Departamento <strong>de</strong>Enfermag<strong>em</strong> Materno-Infantil e Psiquiátrica. Av. Dr Enéas Carvalho <strong>de</strong> Aguiar,419. São Paulo. CEP:05403-000. Email: fumiko@usp.br.152 - Rev. Min. Enf., 7(2):152-5, jul./<strong>de</strong>z., 2003
ASSISTÊNCIA IMEDIATA AO RECÉM-NASCIDO ASFIXIADO: REVISÃO DASRECOMENDAÇÕES DO GUIA PRÁTICO DE REANIMAÇÃO NEONATALda equipe, respeito mútuo, abertura para aceitação <strong>de</strong> críticas,apoio entre os profissionais para o sucesso da reanimação sãoel<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> que se prescin<strong>de</strong> e contribu<strong>em</strong> para o sucesso dotrabalho da equipe 5 .Em 2000, a American Acad<strong>em</strong>y of Pediatrics e a AmericanHeart Association formularam um guia prático internacional parareanimação neonatal baseado <strong>em</strong> novas evidências científicas 1 .Esse guia foi resultado do processo <strong>de</strong> evolução das evidênciase recomendações publicadas <strong>em</strong> 1992 após a 5.ª Conferênciasobre Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados <strong>em</strong>Emergências Cardíacas.No Brasil, esse guia prático sofreu adaptações e foiendossado pela Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Pediatria <strong>em</strong> 2001.Com base neste material, a Coor<strong>de</strong>nadoria Geral <strong>de</strong> Programa<strong>de</strong> Reanimação Neonatal da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pediatria <strong>de</strong> SãoPaulo v<strong>em</strong> ministrando cursos com o objetivo <strong>de</strong> atualizar ecapacitar os profissionais que participam do atendimentoimediato ao recém-nascido <strong>em</strong> diversas instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 6 .Em consequência <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> revisão com base <strong>em</strong>evidências, mudanças significativas ocorreram no protocolo <strong>de</strong>atendimento ao recém-nascido nas seguintes situações:1.Presença <strong>de</strong> fluido amniótico meconial. Se o recémnascidoapresenta <strong>de</strong>pressão respiratória ou respiraçãoausente, freqüência cardíaca inferior a 100 batimentos porminuto ou hipotonicida<strong>de</strong> muscular, recomenda-se aspirar ahipofaringe e intubar e aspirar a traquéia para r<strong>em</strong>oção domecônio residual das vias aéreas. Nessas situações utiliza-secânula conectada ao adaptador e à fonte <strong>de</strong> vácuo. Evidênciascientíficas apontam que a aspiração meconial, sob visualizaçãodireta da traquéia <strong>em</strong> recém-nascidos vigorosos, não altera oprognóstico e contribui para <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar complicações <strong>de</strong>vidoà intubação 6 . Estudo multicêntrico internacional realizado porWiswell, Gannon, Jacob et al. 7comparando manejoexpectante, intubação e aspiração <strong>de</strong> fluido meconial <strong>em</strong>recém-nascido vigoroso ao nascimento, chegou a resultadosque não mostram redução da incidência <strong>de</strong> síndrome daaspiração meconial ou outras complicações respiratórias. Osautores recomendam que nos casos <strong>de</strong> recém-nascido nãovigoroso, com fluido meconial presente, <strong>de</strong>ve-se manter aintubação e aspiração traqueal. 2. Prevenção da perda <strong>de</strong>calor, evitando-se a hipertermia. 3. Oxigenação eventilação. Recomenda-se oxigênio a 100% para ventilaçãoassistida. Se não houver oxigênio supl<strong>em</strong>entar disponível, aventilação por pressão positiva <strong>de</strong>ve ser iniciada com arambiente. Ventilar com balão e máscara facial ou balão e cânulatraqueal é preferível que utilizar máscara laríngea. 4.Compressão cardíaca. Recomenda-se massag<strong>em</strong> cardíacaquando a freqüência cardíaca estiver ausente ou inferior a 60batimentos por minuto. A massag<strong>em</strong> é indicada somentequando a expansão e ventilação pulmonar estiver<strong>em</strong>estabelecidas, ou seja, se após 30 segundos <strong>de</strong> ventilação eoxigenação a 100% o recém-nascido persistir com freqüênciacardíaca inferior a 60 batimentos por minuto. Preferencialmenteutiliza-se a técnica dos dois polegares: o profissional coloca amão envolvendo o tórax do recém-nascido e comprime comuma pressão que atinja cerca <strong>de</strong> um terço do diâmetro ânteroposteriortorácico, suficiente para gerar uma pulsação palpável.5. Medicamentos expansores <strong>de</strong> volume e acessovascular. Adrenalina, administrada na dose <strong>de</strong> 0,1 – 0,3 mL/kgpor dose <strong>de</strong> solução a 1:10.000 por via endotraqueal ouvenosa, quando a freqüência cardíaca for inferior a 60batimentos por minuto após 30 segundos <strong>de</strong> ventilaçãoa<strong>de</strong>quada e compressão cardíaca. Os expansores <strong>de</strong> volumepod<strong>em</strong> ser administrados <strong>em</strong>ergencialmente com soluçãocristalói<strong>de</strong> isotônica (soro fisiológico 0,9%, solução <strong>de</strong> ringerlactato ou sangue tipo O, Rh negativo) via umbilical ou por outroacesso venoso.As recomendações <strong>de</strong>sse guia prático representam o que d<strong>em</strong>ais efetivo existe sobre reanimação neonatal. Baseadas <strong>em</strong>resultados <strong>de</strong> pesquisas clínicas, as recomendações têm comofinalida<strong>de</strong> oferecer fundamentos para programas <strong>de</strong> educaçãoe treinamento e contribuir para padronizar a prática assistencialno atendimento imediato ao recém-nascido, particularmentequando as suas condições <strong>de</strong> nascimento requer<strong>em</strong> manobras<strong>de</strong> intervenção para o estabelecimento das funções vitais.Entretanto, é necessário acompanhar os resultados dosdiversos estudos que vêm sendo conduzidos sobre práticasrelacionadas à reanimação neonatal. A American Acad<strong>em</strong>y ofPediatrics, American Heart Association e o International LiaisonCommittee for Resuscitation (ILCOR) assumiram o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>organizar e revisar as publicações <strong>de</strong> estudos clínicos <strong>de</strong> 5anos, ou seja, que no ano <strong>de</strong> 2005, sejam publicadasrecomendações estruturadas e atualizadas sobre as práticasque integram a reanimação neonatal, particularmente aquelespontos que constitu<strong>em</strong> controvérsias na condução daassistência. Entre esses pontos, Kattwinkel 4 cita aadministração <strong>de</strong> O 2 ambiente (21%) ao invés <strong>de</strong> O 2 a 100% ebolsa fria no segmento cefálico (hipotermia) para o recémnascidoasfixiado, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir os efeitos dahipox<strong>em</strong>ia isquêmica celular. A indicação <strong>de</strong>ssas práticassuscitou polêmica entre os peritos que participaram da últimarecomendação, já que nos últimos 50 anos a manutenção <strong>de</strong>um ambiente termo neutro para o atendimento ao recémnascidoconstituiu-se numa prática regular e inquestionável.Essas práticas carec<strong>em</strong> ainda <strong>de</strong> resultados mais consistentes<strong>de</strong> pesquisas para ser<strong>em</strong> indicadas como práticasrecomendadas e seguras.Wyckoff, Perlman, Niermeyer 8 conclu<strong>em</strong> que a maioria dasevidências científicas sobre recomendações do uso <strong>de</strong> drogasna reanimação neonatal não é convincente. Os autores afirmamque a eficácia das medicações, a dosag<strong>em</strong> e as vias <strong>de</strong>- Rev. Min. Enf., 7(2):152-5, jul./<strong>de</strong>z., 2003153