11.06.2016 Views

criança e consumo

Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao

Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

a que está submetida ao assistir a propagandas especialmente dirigidas<br />

para sua faixa etária. Aliás, tal afirmação não vale apenas para a <strong>criança</strong>,<br />

mas também para adolescentes e adultos, potencialmente também influenciáveis<br />

por anúncios. Não fosse o caso, não se gastaria tanto dinheiro<br />

para produzi-los e veiculá-los.<br />

Dois problemas, então, são colocados: o primeiro, enfatizado pelo<br />

documento, trata da <strong>criança</strong> pobre, que não terá acesso às mercadorias<br />

desejadas. O segundo é colocado para as <strong>criança</strong>s de todas as classes sociais:<br />

despertar desejo de <strong>consumo</strong> de objetos inúteis ou até inapropriados<br />

para os pequenos consumidores.<br />

Fixemo-nos primeiramente no problema da <strong>criança</strong> pobre, cujos pais<br />

não têm dinheiro para comprar a plêiade de objetos sedutores (em geral<br />

muito caros). É dito no documento que poderá haver frustração, que a<br />

recusa dos pais poderá abalar a relação de pais e filhos. Penso que tal análise<br />

esteja correta. Acrescentaria que pode acontecer de pais preferirem<br />

comprar objetos anunciados a gastar o dinheiro com outras coisas mais<br />

úteis para o desenvolvimento e a saúde dos filhos, como livros, alimentos<br />

de boa qualidade etc. Aliás, creio que tal fenômeno deva ocorrer até<br />

nas classes sociais mais abastadas: basta ver o número de <strong>criança</strong>s com<br />

celulares e roupas de grife para deduzir que, em vários casos, produtos<br />

válidos e até essenciais à infância deixaram de ser adquiridos.<br />

Isso posto, creio ser necessário sublinhar que as ponderações feitas não<br />

dizem respeito apenas à publicidade infantil, mas também a várias formas<br />

de propaganda destinadas a públicos de outras idades. Despertar desejos<br />

de compra entre a população mais pobre é o que as propagandas fazem,<br />

sejam elas dirigidas a adultos, sejam voltadas a adolescentes ou a <strong>criança</strong>s.<br />

Conhece-se a famosa metáfora do cão que fica olhando para máquinas de<br />

assar frangos – trata-se de tortura, pois a comida está ali, pode despertar o<br />

apetite até de quem não está faminto, mas é inatingível! Ora, tal metáfora<br />

aplica-se à maioria das publicidades, notadamente às veiculadas na televisão:<br />

elas escancaram a existência de objetos e serviços, apresentam-nos<br />

como desejáveis, embora sejam inalcançáveis para a maioria da população.<br />

O documento toca, portanto, num ponto que transcende a questão da relação<br />

<strong>criança</strong>/publicidade, pois, a rigor, pouco tem a ver com a idade de quem<br />

é exposto aos anúncios. Está certo o documento quando menciona que pode<br />

haver abalos na relação pais/filhos, mas há um exagero quando afirma que<br />

algumas <strong>criança</strong>s “terminam por querer à força o objeto de seu desejo”. Não<br />

discordo da afirmação, mas o documento passa a ideia de que essa seria uma<br />

característica estritamente infantil. E não é. É claro que algumas <strong>criança</strong>s<br />

poderão ser incitadas a essa forma de violência, mas adolescentes e adultos<br />

às vezes também optam pela mesma via.<br />

Em resumo, creio que o documento deveria fazer uma distinção mais<br />

clara entre o que se refere aos efeitos da publicidade em geral, como despertar<br />

desejos insaciáveis em razão do poder aquisitivo da pessoa, e o que<br />

é específico da infância, como criar atritos entre pais e filhos ou levar esses<br />

últimos a gastar dinheiro com objetos que não deveriam ser prioritários,<br />

deixando de adquirir o que de fato poderia fazer diferença.<br />

A MANIPULAÇÃO<br />

O conceito de “manipulação” não se associa necessariamente a um valor<br />

negativo. Manipulam-se objetos, por exemplo. Qualquer discurso que vise a<br />

convencer outrem traduz-se numa forma de manipulação. O compositor, ao<br />

fazer uma música, tem por objetivo envolver o ouvinte, seduzi-lo com sons e,<br />

assim, manipula-o, como manipula os leitores um romancista que consegue<br />

fazê-los se emocionar. Portanto, se há algum problema moral na manipulação,<br />

não se resume ao fato de ela existir em variadas relações sociais.<br />

O problema moral ocorre quando o beneficiário da manipulação é o<br />

manipulador, não a pessoa manipulada. Voltando ao exemplo do compositor,<br />

se ele obtém transformações na forma de o ouvinte apreciar música,<br />

esse ouvinte é o primeiro beneficiado. O mesmo pode ser dito do escritor<br />

ou do argumentador. Entretanto, há casos em que a manipulação é feita<br />

com objetivo de instrumentalizar outrem para benefício de quem manipula.<br />

Por exemplo, se alguém procura convencer outra pessoa de que<br />

seu interesse está em fazer tal coisa, quando, na verdade, esse interesse<br />

inexiste, sendo que o convencimento alheio trará proveito para quem<br />

procura inculcar-lhe certas ideias, há uma transgressão moral. É de Kant<br />

a bela fórmula (imperativo categórico): devemos sempre agir de modo a<br />

que o outro seja um fim em si mesmo, não um meio.<br />

Voltando ao tema da publicidade, devemos nos perguntar, do ponto<br />

106 • CRIANÇA E CONSUMO – 10 ANOS DE TRANSFORMAÇÃO ÉTICA • 107

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!