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criança e consumo

Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao

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A CRIANÇA DEMOROU A SER LEMBRADA<br />

Há uma máxima publicitária que afirma que comercial com <strong>criança</strong> ou<br />

com animal é garantia de sucesso. As críticas à publicidade infantil demoraram<br />

a receber a atenção dos incomodados com a linguagem publicitária<br />

preconceituosa, estigmatizada, de humor fácil e desrespeitoso. São de não<br />

tanto tempo atrás comerciais que hoje consideramos absurdos, mas que à<br />

época não encontravam grande barreira, como o do chocolate Batom, que<br />

valorizava a hipnose para divulgar o produto (“Compre batom, compre<br />

batom!”), ou o da tesourinha infantil (Mundial), constante no material<br />

escolar, que trabalhava o pertencimento de forma clara, despertando a<br />

competitividade entre as <strong>criança</strong>s (“Eu tenho, você não tem!”).<br />

Lembro-me de um comercial do tênis All Star em que a Xuxa dizia:<br />

“Sua mãe não quer comprar um All Star?”. A seguir, mostrava uma revolta<br />

infantil com <strong>criança</strong>s destruindo seus calçados! Eu o gravei para exibir em<br />

aulas na época, mas ele foi tirado do ar imediatamente pelo Conar, após<br />

denúncia de mães indignadas. As reações frente a esses comerciais eram<br />

ainda muito tímidas, vozes isoladas, denúncias por carta ou fax. Mesmo<br />

assim, os ativistas precursores obrigaram o Conar a aperfeiçoar seu código<br />

de ética algumas vezes.<br />

Com a vitória do modelo econômico que intensificou a ânsia por resultados<br />

e reverteu lucros para acionistas, além da chegada da globalização,<br />

a <strong>criança</strong> começou a aparecer em comerciais de adultos para<br />

itens distantes dela, como carros, bancos etc. Mais recentemente, um<br />

comercial que gerou muita polêmica nas redes sociais foi o de uma marca<br />

de automóvel em que um menino insiste para que o pai estacionasse longe<br />

da porta da escola, com vergonha de que os colegas vissem a marca do automóvel<br />

da família. Como em propaganda nada se inventa, muito se copia<br />

ou se aproveita como referência, em um movimento natural egocêntrico<br />

da categoria, em 2013 outro comercial de carro mostrava exatamente o<br />

oposto: um menino pedindo que o pai estacionasse o carro para que os<br />

colegas, da janela da escola, vissem e sentissem inveja. A partir desses<br />

exemplos, pode-se concluir que a inveja, a concorrência e a competição<br />

são valores constantemente estimulados pela publicidade. Ela procura<br />

mostrar a cozinha que você nunca vai ter, o café da manhã que você, na<br />

loucura do cotidiano, não vai preparar. Ela o provoca até você comprar,<br />

comprar tudo o que puder para pensar que adquiriu a felicidade. Se isso<br />

é complexo para adultos, que como consumidores não conseguem parar<br />

de comprar produtos e serviços, imagine para <strong>criança</strong>s. A publicidade<br />

é fantasia, é sonho, é estímulo a desejos e é criatividade, sem limites.<br />

Claro que o Conar nunca deixou de considerar <strong>criança</strong> assunto sério<br />

e estabeleceu limites e agiu em momentos em que eles foram rompidos,<br />

mas proteger a categoria e os negócios exige atenção. O texto do Código<br />

de Autorregulamentação Publicitária, redigido por Caio Domingues,<br />

considerou necessário proteger as <strong>criança</strong>s de eventuais abusos – e foi<br />

atualizado muitas vezes. No entanto, o Conar atua, quase sempre, frente<br />

a denúncias, e leva tempo até que um relator seja destacado para dar opinião<br />

no processo e uma reunião seja feita com os conselheiros que votam e<br />

decidem se o comercial deve ou não ser modificado e/ou sair do ar. Muitas<br />

vezes, isso leva tempo – até que o estrago já tenha sido feito. Em casos<br />

mais graves, o Conar tira o comercial do ar imediatamente. São inúmeros<br />

os exemplos em que os profissionais das agências, e também os clientes,<br />

sabem dos riscos que correm com determinado comercial (não só daqueles<br />

com <strong>criança</strong>s, mas também com mulheres e em casos de embate direto<br />

com a marca concorrente), mas contam com a veiculação ainda que por<br />

tempo limitado, e com a polêmica, para conquistar recall para a marca.<br />

Tudo isso é defendido frente à possibilidade de haver leis que regulamentem<br />

a publicidade, em especial a infantil, sob o argumento da liberdade.<br />

Uma forte resistência ao controle do livre mercado está presente nas<br />

últimas campanhas feitas pelas associações de publicidade e pelo Conar.<br />

A proposta deles é clara: confie no Conar, em especialistas que recebem<br />

milhares de reclamações de comerciais (“algumas são justas, outras nem<br />

tanto”, está escrito no site), pois não há necessidade de leis regulamentando<br />

a publicidade infantil.<br />

POR QUE ABORDAR CRIANÇAS SÓ PELA TELEVISÃO? HÁ MUITAS OUTRAS<br />

POSSIBILIDADES DE COMUNICAÇÃO<br />

A propaganda invadiu espaços físicos e de entretenimento. A praça é um<br />

bom local para amostragem de novos produtos. O cinema lança personagens<br />

que se multiplicam em brinquedos, artigos escolares e produtos cotidianos.<br />

134 • CRIANÇA E CONSUMO – 10 ANOS DE TRANSFORMAÇÃO COMUNICAÇÃO • 135

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