criança e consumo
Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao
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o mundo econômico está interessado em nos vender.<br />
Podemos restringir as horas de acesso à televisão, mas a dificuldade<br />
de tentarmos nos proteger de um sistema que permeia todos os espaços<br />
se perpetua. Se há algum tempo as <strong>criança</strong>s batalhavam pelo tempo de<br />
televisão, hoje elas conseguem acessar o mesmo conteúdo pelo computador<br />
ou pelo tablet.<br />
É verdade que Jeremy Rifkin aponta outras tendências de <strong>consumo</strong><br />
por parte da nova geração: a acumulação dos ricos busca o direito de<br />
excluir – viajo em meu carro, tenho minha piscina, minha residência<br />
secundária, mas sempre me tranco na apropriação individual que exclui<br />
outros. Na geração que nasceu já tendo acesso à internet,<br />
a liberdade é medida mais pelo acesso a outros por redes sociais do que na<br />
propriedade dos mercados. Quanto mais profundo e mais inclusivo o universo<br />
de relações, mais liberdade se goza. Ter acesso contínuo aos outros<br />
pelos espaços sociais como Facebook e Twitter confere sentido à vida. A<br />
liberdade para a geração internet é a habilidade de colaborar com outros,<br />
sem restrições, em um mundo de pares (peer to peer). (Rifkin, p. 226)<br />
Baseada em pesquisas, a visão de Rifkin é importante e tira-nos do<br />
conforto das redes sociais – e não se trata apenas da questão delas, mas<br />
do fechamento de outros espaços de sociabilidade.<br />
Voltando à lógica da família, há poucas alternativas. O sistema organizado<br />
de vivências solitárias na estrutura nuclear ou separada, com frequente<br />
ausência de irmãos e primos, leva, naturalmente, ao passivo e solitário seguimento<br />
de programas nas diversas telas hoje disponíveis, todas com conteúdos<br />
centrados em uma fórmula financeira que se fecha no <strong>consumo</strong> induzido.<br />
Quanto à lógica do espaço urbano, onde ficou a apropriação da rua,<br />
o carrinho de rolimã, a bolinha de gude, o taco, o esconde-esconde, o<br />
pegador, a inserção brincalhona na vida e na sociedade? Com as distâncias<br />
e a perda de mobilidade nas metrópoles, gerou-se, na realidade, uma<br />
ausência de convivência também entre adultos e <strong>criança</strong>s. Gostemos ou<br />
não, a <strong>criança</strong> está presa em uma dinâmica de transformações sociais que<br />
nós mesmos não controlamos, muito menos elas.<br />
A LÓGICA DA ESCOLA<br />
A escola resolve? A correlação entre o ritmo de desagregação das famílias<br />
e do convívio social e a extensão do tempo que as <strong>criança</strong>s passam<br />
na escola é impressionante. A poderosa visão de uma escola integral não<br />
tem gerado muita integração, mas está gradualmente assegurando que os<br />
horários de trabalho coincidam com os horários escolares, resolvendo o<br />
problema básico do que fazer com as <strong>criança</strong>s. O convívio familiar está<br />
sendo limitado aos fins de semana?<br />
Inúmeras conversas com professores e reuniões sobre os rumos da educação<br />
têm levantado, em particular, a inquietude das escolas, que cada<br />
vez mais acabam substituindo o universo afetivo familiar, os convívios<br />
que deveriam ser da vizinhança, a mobilidade que deveria ser da rua e das<br />
brincadeiras de bairro. De certa maneira, desde a creche a <strong>criança</strong> é colocada<br />
no universo organizado e disciplinado em que passará a fazer, sistematicamente,<br />
o que lhe dizem, adiando os convívios sociais em que aprenderia a ter<br />
autonomia e julgamento próprio. A escola não pode fazer todos esses papéis.<br />
As situações podem ser, sem dúvida, diferenciadas, mas no geral a<br />
lógica urbana - que separa os espaços de trabalho -, de estudo e residência<br />
da família, hoje pouco presente por desestruturação ou tempos<br />
desarticulados; do <strong>consumo</strong> centrado nos bens individuais, não no uso<br />
compartilhado de bens comuns que construiriam a sociabilidade; e da<br />
escola que não é propriamente integradora e integrada na comunidade<br />
e, com frequência, é distante e escolhida porque tende a assegurar um<br />
“futuro” melhor – tende a gerar vidas infantis fragmentadas.<br />
O conceito de bairro nos vem naturalmente à mente, pois trata-se da<br />
oportunidade de pensar uma sociedade na qual os diversos espaços voltem<br />
a ser sinérgicos no ciclo completo da reprodução social, tanto entre as<br />
diversas idades e gerações como entre os conjuntos de atividade da vida.<br />
Há hoje inúmeras experiências, tanto de escolas integradas na comunidade<br />
como de projetos ou até mesmo estudos e pesquisas sobre o local onde<br />
as <strong>criança</strong>s moram (por exemplo, o Minha Escola Meu Lugar, em Santa Catarina),<br />
de familiarização com o universo profissional da região (como o ensino<br />
das tecnologias do semiárido em escolas do Nordeste), dinâmicas que têm em<br />
comum não o objetivo de tranquilizar os pais porque os filhos estão estudando,<br />
mas de gerar nas <strong>criança</strong>s o sentimento de pertencimento ao mundo.<br />
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