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Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao
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do direito à comunicação, entendendo que a diferença não apenas assinala<br />
a evolução do livre fluxo de informação para o fluxo de informação livre<br />
e equilibrado – e caracteriza o processo de comunicação como sendo de<br />
mão dupla –, como também demarca o avanço do controle social sobre<br />
seus bens de produção.<br />
Como consequência, essa distinção tem servido, no Brasil, para embargar<br />
o debate sobre a democratização das comunicações 2 e impedir a<br />
solução de problemas cotidianos. Mesmo a mais alta instância de solução<br />
de conflitos, o Supremo Tribunal Federal (STF), quando chamado para<br />
garantir o direito à comunicação, parece subjugado e paralisado pela<br />
equívoca contraposição com o direito à liberdade de expressão, sob o<br />
argumento de que trata-se de uma colisão de direitos, quando, na verdade<br />
(Jean d’Arcy já dizia), o direito à comunicação revela, por si só, uma<br />
coalização de normas.<br />
De fato, o direito à comunicação é categoria normativa mais abrangente<br />
e mais adequada à plena realização do direito e da democracia: a<br />
estirpe de direitos constitucionais da qual faz parte a comunicação não<br />
permite o “fatiamento” da Constituição ou, nas palavras de Eros Grau<br />
(2002), “recusa sua aplicação em tiras”.<br />
TRÊS ENTENDIMENTOS SOBRE O DIREITO À COMUNICAÇÃO<br />
Os três principais entendimentos sobre o direito à comunicação descritos<br />
cuidadosamente (daí a longa citação) por Valério Brittos e Marcelo<br />
Collar (2006) 3 não divergem sobre o essencial, embora expressem posições<br />
políticas distintas sobre sua aplicação:<br />
A visão legalista, a qual tem como principal expoente o professor Cees<br />
Hamelink, acredita que o direito à comunicação deve ser reconhecido<br />
como lei internacional e acrescentado à Declaração Universal dos Direitos<br />
Humanos. Esta foi a primeira teoria sobre o direito à comunicação.<br />
Hamelink desenvolveu um manifesto enumerando as implicações<br />
do reconhecimento de um direito universal à comunicação, que foi<br />
entregue ao plenário da WSIS (World Summit on the Information Society)<br />
e amplamente divulgado. Este manifesto recebeu várias críticas,<br />
principalmente pela falta de limites claros em relação a outros direitos<br />
humanos, como o de liberdade de expressão, privacidade e propriedade.<br />
A visão liberal entende que o direito de comunicar é um novo rótulo<br />
para os direitos de liberdade de informação e expressão, vitais e em<br />
constante evolução. Os adeptos desta teoria defendem ser problemática<br />
a criação de um novo diploma legal para reconhecer o direito à comunicação,<br />
preferindo trabalhar com a já existente Declaração Universal<br />
dos Direitos Humanos, cujo potencial não teria ainda sido totalmente<br />
explorado. Este posicionamento é adotado pela ONG Article 19, que<br />
contesta a visão legalista de Hamelink, inclusive encorajando outras<br />
organizações a fazerem o mesmo.<br />
O posicionamento [...] chamado normativo-tático (normative-tactical)<br />
é considerado o entendimento dominante. Esta teoria prega o uso da<br />
palavra direito mais como uma tática de abordagem ao tópico do que<br />
algo para ser interpretado literalmente e aplicado legalmente. A declaração<br />
da campanha CRIS (Communication Rights in the Information<br />
Society) sobre os direitos da comunicação também foi criticada publicamente<br />
pela Article 19, alegando que esta poderia enfraquecer ou pôr<br />
em risco o direito à liberdade de expressão, protegido pela Declaração<br />
Universal dos Direitos Humanos.<br />
A chamada visão legalista é aquela que confunde direito com o texto<br />
jurídico (literal) pelo qual ele pode ser conhecido e, portanto, vai sempre<br />
pugnar pela elaboração de mais texto e pela alteração dos que existem.<br />
Essa visão tem respaldado um jeito reacionário de enxergar o capítulo 5<br />
da Constituição Federal: as imperfeições textuais e a falta de regras claras<br />
acabariam por impedir a efetivação do direito à comunicação.<br />
O liberalismo político da visão liberal, é bom salientar, não se confunde<br />
com o neoliberalismo econômico das últimas décadas, tampouco<br />
com o ultraliberalismo jurídico dos últimos anos. Trata-se de um entendimento<br />
que tem o indivíduo, independentemente do lugar em que nasce<br />
e vive, como epicentro da organização do Estado e da sociedade e que<br />
valoriza direitos já consolidados pelo uso, isto é, pela aplicação junto aos<br />
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