criança e consumo
Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao
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e do macarrão instantâneo. Nesse contexto, Toloni e colaboradores (2014)<br />
avaliaram a introdução desses dois alimentos, impróprios para lactentes, e<br />
identificaram que o petit suisse já havia sido consumido por 48% das <strong>criança</strong>s<br />
até os seis meses de vida, período no qual deveriam receber exclusivamente<br />
leite materno. Na análise comparada da composição nutricional, nota-se que<br />
o petit suisse ultrapassa em mais de 400% a quantidade de proteína em comparação<br />
ao leite materno, o que pode levar ao desenvolvimento de obesidade<br />
na idade escolar e adulta. Destacam-se também as quantidades elevadas de<br />
cálcio e de sódio nesse produto, que ultrapassam em 300% as necessidades<br />
diárias na faixa etária de zero a seis meses, ficando muito além dos teores<br />
presentes no leite materno (Toloni et al, 2014).<br />
De forma semelhante, Longo-Silva e colaboradores (2015), ao estudar<br />
a introdução precoce e inoportuna de refrigerante e suco artificial na dieta<br />
de <strong>criança</strong>s frequentadoras de berçários em creches públicas, revelaram<br />
que mais da metade os consumia antes do primeiro ano de vida. Foi também<br />
constatado que 7,4% e 14,3% das mães ofertaram, respectivamente,<br />
refrigerante e suco industrializado antes do sexto mês de vida – porcentagens<br />
significativas, uma vez que, nesse período, recomenda-se a<br />
oferta exclusiva do leite materno. Comparadas ao suco de fruta natural,<br />
tais bebidas possuem composição nutricional inferior, sugerindo necessidade<br />
de medidas fundamentadas em estratégias de educação alimentar<br />
e nutricional como forma de promover a formação e a manutenção de<br />
hábitos alimentares saudáveis (Longo-Silva et al, 2015).<br />
Além disso, cumpre ressaltar que, nas últimas décadas, o tamanho<br />
das porções de refrigerantes e outros produtos alimentícios aumentou<br />
drasticamente. A publicidade de alimentos de alta densidade energética,<br />
com poucos nutrientes e de bebidas açucaradas para <strong>criança</strong>s e adolescentes<br />
também aumentou, influenciando as preferências e os padrões<br />
alimentares, além dos pedidos de compra.<br />
Resultados semelhantes são encontrados em estudos internacionais.<br />
Eades e colaboradores (2010), ao estudar <strong>criança</strong>s australianas de seis<br />
a doze meses de idade, encontraram que 88,3% das mães iniciaram a<br />
amamentação, mas apenas 43,8% das <strong>criança</strong>s eram exclusivamente<br />
amamentadas em seis a doze semanas. Mais alarmante ainda, observaram<br />
que, aos doze meses de idade, 69,8% dos bebês receberam suco de frutas;<br />
56,2%, refrigerante; 68%, suco artificial; e 78%, batata frita.<br />
Estudos internacionais realizados com o banco de dados americano<br />
Infant Feeding Practices Study II, o qual acompanhou as práticas de<br />
alimentação infantil de <strong>criança</strong>s desde o nascimento até os 12 meses<br />
de vida, observaram que embora 83% das mães entrevistadas tenham<br />
iniciado o aleitamento materno, a porcentagem das que mantiveram a<br />
amamentação declinou rapidamente para 50% aos seis meses e 24% aos<br />
doze meses. Além disso, aos doze meses as <strong>criança</strong>s foram alimentadas<br />
com alimentos gordurosos ou açucarados (75% e 62%, respectivamente),<br />
sendo que cerca de metade delas consumia batata frita, doces, biscoitos<br />
e bolo (Grummer-Strawn et al, 2008).<br />
Fein e colaboradores (2008), ao analisar os dados do citado Infant Feeding<br />
Practices Study II, observaram que 22% das <strong>criança</strong>s de até dez meses<br />
de idade tinham realizado refeições em restaurante fast-food duas vezes na<br />
semana anterior. Além disso, mostraram que mães com baixa escolaridade<br />
são mais propensas a práticas alimentares não saudáveis com os filhos.<br />
Em todo o mundo, com o advento da industrialização, os produtos ultraprocessados<br />
têm substituído os sistemas alimentares e os padrões dietéticos<br />
com base em alimentos frescos e menos processados, os quais são social<br />
e ambientalmente mais adequados (Monteiro et al, 2011; Moodie et al, 2013).<br />
A globalização da alimentação tem exercido grandes efeitos sobre o<br />
ambiente e sobre o enfraquecimento das culturas alimentares tradicionais.<br />
Houve uma homogeneização dos repertórios culinários, caracterizada pelo<br />
abandono dos rituais no preparo e na partilha de refeições e pela desvalorização<br />
do comer e do cozinhar como práticas sociais carregadas de simbolismo,<br />
significado, história e identidade coletiva (Monteiro et al, 2011).<br />
A sociedade contemporânea converge para um padrão dietético caracterizado<br />
por alimentos de muita densidade energética com altos teores<br />
de sal, gorduras totais, colesterol, carboidratos refinados e baixos teores de<br />
ácidos graxos insaturados e fibras. As consequências desse perfil de <strong>consumo</strong><br />
alimentar, aliadas à rotina de vida sedentária e às sofisticadas estratégias de<br />
marketing desenvolvidas pelas indústrias multinacionais, são a epidemia<br />
global de obesidade e o aparecimento de diabetes e outras doenças crônicas<br />
não transmissíveis (DCNT), que, na atualidade, não poupam sequer <strong>criança</strong>s<br />
e adolescentes (WHO, 2005; IBGE, 2010; Schmidtz et al, 2001).<br />
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