criança e consumo
Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao
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Clarissa – Minha mãe e meu pai são muito rígidos. Por exemplo, quando<br />
eu tiro nota baixa, eles tiram o meu celular. Como agora, eu tirei nota<br />
baixa e tô sem celular.<br />
Mateus – Toda vez que eu abro a minha página, eles perguntam: “Quem<br />
é esse menino?”.<br />
Clarissa – Eles não entram [no perfil do Facebook], mas sempre perguntam:<br />
“Quem é essa pessoa?”.<br />
Madeleine – Minha mãe passa o dia todinho: “Tá falando com quem?”.<br />
Yohana – A minha mãe vê sempre o histórico.<br />
Laís – Ainda mais quando a mãe assiste a filmes que falam sobre esses<br />
riscos. Aí piora a situação.<br />
Clarissa – Ela fica toda: “Minha filha, minha filha”...<br />
Rafael – Minha mãe pega meu celular e diz: “Vou ver só um negócio<br />
aqui”, aí vê minhas conversas no WhatsApp.<br />
Pais e/ou irmãos mais velhos também favorecem a introdução e a<br />
continuação de determinadas práticas do brincar e do comunicar no<br />
circuito da cultura de pares.<br />
Mateus – Meu pai joga direto Fifa e GTA.<br />
Yohana – Eu já fiz um pacto com meu irmão, porque ele gosta muito<br />
de passar a noite toda no computador e no celular. Aí certo dia eu disse:<br />
“Ei, hoje tá muito legal o grupo e eu queria madrugar no grupo”. Aí ele:<br />
“Eu também queria madrugar no computador porque eu quero falar com<br />
uma pessoa. Quando o papai botar a gente pra dormir, eu vou até tu, vou<br />
te acordar, aí a gente fica. Mas não pode contar nada pra ninguém”. 28<br />
O uso frequente de celulares e/ou jogos, a prática de viver conectado,<br />
amplamente disseminada na sociedade contemporânea, e as estratégias<br />
coletivas para burlar a vigilância dos pais são evidências de como o processo<br />
de reiteração vem acontecendo na cultura de pares.<br />
Desse modo, tanto por meio da repetição de práticas antigas (conversar<br />
por horas, compartilhar vivências, jogar o mesmo jogo, burlar a<br />
vigilância dos pais etc.) quanto por meio da recriação (“madrugar” na<br />
internet, tirar “selfie”, compartilhar fotos e/ou vídeos, entre outros), as<br />
tradições infantis reproduzem-se e renovam-se. Nos marcos da cultura<br />
do <strong>consumo</strong> e em tempos de convergência, contudo, as possibilidades<br />
dessa renovação ficam cada dia mais comprometidas.<br />
Nos quatro eixos constituintes das gramáticas infantis – a interatividade,<br />
a ludicidade, a fantasia do real e a reiteração –, os dizeres infantis<br />
atestam a perversidade da cultura do <strong>consumo</strong> e a intensificação de seus<br />
referenciais nas tradições infantis com o processo de convergência.<br />
É tempo, portanto, de rever as políticas de proteção e de promoção da<br />
infância considerando esse horizonte mais largo que a realidade impõe.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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Werbung im Internet, Ihre Wahrnehmung Durch Kinder und ihr Regulatorischer Kontext. Berlim:<br />
Vistas, 2014.<br />
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HEYWOOD, C. Uma história da infância: da Idade Média à época contemporânea do Ocidente.<br />
Porto Alegre: Artmed, 2004.<br />
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