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criança e consumo

Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao

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Na fase ativa da vida, tipicamente dos 16 aos 64 anos, em geral produzimos<br />

mais do que consumimos e, com isso, podemos sustentar filhos<br />

e pais, idosos, pessoas com deficiência, doentes e mesmo familiares em<br />

idade ativa que não tenham como sustentar-se. Em outros termos, a<br />

economia da família permite – ao menos permitia – uma redistribuição<br />

entre os que produzem um excedente e os que necessitam desse excedente<br />

para sobreviver.<br />

Hoje, no entanto, a família está deixando de assegurar essa ponte<br />

entre produtores e não produtores. Em grandes centros urbanos, a família<br />

ampla, com avôs, tios, primos, irmãos, praticamente desapareceu. O<br />

capitalismo moderno, baseado no consumismo, inventou a família economicamente<br />

rentável, composta de mãe, pai, um casal de filhos, que<br />

têm um apartamento, uma geladeira com espaço para doze ovos, sofás e<br />

uma televisão. É a família nuclear.<br />

A tendência mais recente é a desarticulação nuclear dessa família.<br />

Nos Estados Unidos, apenas 26% dos lares são constituídos por pai, mãe<br />

e filhos. Na Suécia, 23%. Hoje, contam-se nos dedos os casais que não<br />

se divorciaram. Mesmo quando estão juntos, pai e mãe trabalham, os<br />

filhos estão na escola e a vida familiar resume-se, frequentemente, a um<br />

encontro cansado frente à televisão à noite.<br />

No Brasil, ainda há uma proporção maior – 43,9% de casais com filhos,<br />

os quais o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) chama de “arranjos<br />

familiares” (em 2013) –, mas o cenário vem mudando rapidamente:<br />

em 2004, eram 51% nessa categoria (IBGE, 2014, p. 68). Os “arranjos unipessoais”<br />

representam 13,5% do total, e o aumento foi de 35% no mesmo<br />

intervalo. Progridem também rapidamente os chamados Dinks (Double<br />

Income no Kids), casais em que as duas pessoas trabalham e que não têm<br />

<strong>criança</strong>s – 23% dos casos estão no Sudeste. Uma tabela muito interessante<br />

mostra que, per capita, o arranjo unipessoal é o que permite maior renda<br />

familiar, seguido de “casal sem filhos”, “casal com filhos” e, a pior situação<br />

evidentemente, arranjos “sem cônjuge com filhos” (p. 75). O documento do<br />

IBGE ainda apresenta a expansão da “geração canguru”: 25% dos jovens de<br />

25 a 34 anos ainda vivem com os pais. É a economia consumindo a família.<br />

Sobre o casamento, um levantamento da situação na Europa ocidental<br />

e em países de língua inglesa constatou que quarenta anos atrás havia em<br />

torno de 5% de nascimentos de casais não casados. Hoje, essa proporção<br />

ultrapassa 30%, ainda que tal tendência seja bastante desigual: no Japão,<br />

apenas 1%; entre os hispânicos nos Estados Unidos, 42%; e entre negros<br />

americanos, 69%; enquanto a média geral americana é 33%. 1<br />

A mudança profunda e acelerada na estrutura familiar está, sem dúvida,<br />

impactando um grande número de dinâmicas sociais e culturais.<br />

Interessa-nos aqui particularmente a dinâmica da reprodução social e o<br />

novo contexto em que a <strong>criança</strong> busca seus equilíbrios.<br />

O ser humano nem sempre obedeceu à filosofia do homo homini lupus<br />

(homem lobo do homem). Para além da família, havia comunidades, clãs,<br />

tribos, quilombos, sociedades e as mais diversas formas de solidariedade<br />

social. Ou seja, podia-se procurar o vizinho. Hoje, na era da sociedade<br />

anônima, as pessoas estão sozinhas na multidão urbana. A urbanização e a<br />

metropolização contribuíram para isso, assim como contribuíram a televisão,<br />

a formação dos subúrbios e das cidades-dormitório, além de uma série<br />

de fatores estudados por Robert Putnam em Bowling Alone. 2 De qualquer<br />

maneira, o que nos interessa neste momento é o fato de que, junto com a<br />

família, a articulação da comunidade e da solidariedade social se fragiliza.<br />

Com a revolução tecnológica, o conhecimento torna-se elemento<br />

central dos processos produtivos. Uma geração atrás, a infância terminava<br />

aos quatro anos, e o filho aos doze anos já ajudava o pai na roça, a menina<br />

carregava água e cuidava dos irmãos. Hoje, para a maioria das pessoas, a<br />

fase de dependência no início da vida tende a estender-se, e vemos com<br />

frequência jovens vivendo uma adolescência tardia, buscando mais um<br />

ano de estudo à procura de um emprego no horizonte. Morar com os pais<br />

aos 25 anos não tem hoje nada de original.<br />

Do lado do idoso, havia certa lógica nas sociedades de antigamente.<br />

Vivia-se até os 50 anos, e o tempo de criar os filhos era a conta justa. Hoje,<br />

a expectativa de vida pode ultrapassar os oitenta anos, e a terceira idade<br />

assume uma dimensão que abarca entre um quarto e um terço da vida.<br />

Trata-se também de uma fase de dependência, pois os sistemas de aposentadoria,<br />

em termos de cobertura e de remuneração, são precários, enquanto<br />

a família comercialmente correta simplesmente evita o convívio.<br />

O idoso faz parte do universo da infância? Vivi muitos anos na África,<br />

onde a família assumia frequentemente forma de clã, com avôs e avós que<br />

76 • CRIANÇA E CONSUMO – 10 ANOS DE TRANSFORMAÇÃO SUSTENTABILIDADE • 77

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