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criança e consumo

Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao

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iniciativas no sentido da regulamentação da publicidade de alimentos não<br />

saudáveis para <strong>criança</strong>s baseiam-se nas seguintes constatações:<br />

••<br />

a obesidade, nas décadas recentes, evoluiu para tornar-se um dos mais<br />

graves problemas mundiais de saúde pública, como resultado de profundas<br />

mudanças de hábitos alimentares e da adoção de estilos de vida<br />

sedentários;<br />

••<br />

as autoridades sanitárias devem conceber e implementar uma política<br />

pública ampla e eficiente, que atinja não apenas os efeitos, mas também<br />

as causas da obesidade, uma vez que “a saúde é direito de todos e dever<br />

do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem<br />

à redução do risco de doença” (CF, art. 196);<br />

••<br />

é impossível combater a obesidade sem promover a reeducação alimentar;<br />

••<br />

a preocupação com a adoção de uma dieta saudável (que impeça o<br />

<strong>consumo</strong> excessivo de alimentos de pouco valor nutricional e ricos<br />

em açúcar, sódio e gordura) deve começar na infância, num esforço<br />

para reverter o alarmante aumento da obesidade entre <strong>criança</strong>s e evitar<br />

agravos sanitários precoces;<br />

••<br />

a publicidade de alimentos dirigida ao público infantil exerce influência<br />

significativa nos hábitos alimentares adotados pelas <strong>criança</strong>s, constituindo<br />

fator importante para o agravamento de um problema de saúde<br />

pública na medida em que estimula o <strong>consumo</strong> excessivo de produtos<br />

calóricos de baixo valor nutricional.<br />

Esses argumentos claros e objetivos, sustentados por evidências científicas<br />

e por estatísticas que recomendam a regulamentação da publicidade<br />

para proteção da saúde das <strong>criança</strong>s, não impedem a forte reação de setores<br />

cujos interesses econômicos podem ser atingidos (publicitários, indústria<br />

alimentícia e meios de comunicação), que argumentam que restringir<br />

publicidade significaria violar direitos à livre iniciativa e à liberdade de<br />

expressão e que a responsabilidade pela dieta saudável das <strong>criança</strong>s seria<br />

exclusiva dos pais. A estratégia dos lobbies que atuam contra a regulamentação<br />

consiste em desviar indevidamente o debate para um suposto<br />

conflito ideológico – liberalismo versus intervencionismo –, com espaço<br />

para argumentos ad terrorem que sugerem uma interferência paternalista,<br />

abusiva e arbitrária do Estado na vida dos cidadãos.<br />

A retórica diversionista de lobistas que colocam interesses corporativos<br />

acima de interesses sociais procura, estrategicamente, evitar a questão<br />

de fundo: como negar a legitimidade da intervenção estatal na economia<br />

quando se trata de proteger a saúde de <strong>criança</strong>s diante de um problema<br />

sanitário grave e concreto? Poderíamos lembrar aqui que o Brasil e diversos<br />

outros países de grande tradição democrática possuem, há muito tempo,<br />

legislação que restringe atividades econômicas consideradas potencialmente<br />

lesivas à saúde pública ou que interferem na vida das pessoas: a<br />

proibição de venda de bebidas a menores de 18 anos, o uso obrigatório de<br />

cinto de segurança e de capacete em meios de transporte, a restrição na<br />

venda de psicotrópicos e a proibição da publicidade de cigarros e medicamentos<br />

são alguns exemplos bem conhecidos de estratégias de políticas<br />

públicas que autoridades sanitárias adotaram em várias partes do mundo<br />

– não para eliminar o capitalismo ou as liberdades individuais, mas para<br />

proteger a saúde da sociedade (no caso do tabagismo, vale registrar que<br />

as políticas públicas conseguiram reduzir significativamente o <strong>consumo</strong><br />

de cigarros no Brasil nos últimos anos sem proibir venda e <strong>consumo</strong>).<br />

Nesse contexto, a reação alarmista contra a regulamentação só se<br />

explica como desespero de quem quer que interesses privados prevaleçam<br />

sobre interesses públicos. Apesar disso, verifica-se que muitas empresas<br />

alimentícias grandes têm reconhecido a gravidade do problema e vêm assumindo,<br />

voluntariamente, o compromisso de não veicular publicidade de<br />

produtos não saudáveis para as <strong>criança</strong>s. Essa é a responsabilidade social<br />

que se espera dos agentes econômicos, com a consciência de que a livre<br />

iniciativa deve procurar assegurar a todos existência digna e respeitar<br />

o princípio da defesa do consumidor, como determina o artigo 170 da<br />

Constituição Federal.<br />

O filósofo inglês John Stuart Mill (1806-73) estabeleceu um dos princípios<br />

que fundamentam o liberalismo, inclusive a liberdade de expressão.<br />

O princípio do dano fixa condição para que a interferência estatal<br />

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