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criança e consumo

Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao

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tribunais, pela prática jurisprudencial. A partir dessa visão, pode-se ver<br />

a história do direito, as sucessivas interações entre textos e contextos nos<br />

mais diferentes momentos e países. Por isso, quando a Article 19 defende<br />

a aplicação da Dudh contra a necessidade de um novo texto, de fato ela<br />

está defendendo o árduo trabalho de interpretação realizado ao longo de<br />

seus sessenta anos de vigência e, assim, reconhecendo os inúmeros conflitos<br />

vivenciados pela sociedade, como fonte do direito à comunicação.<br />

É fácil perceber que o entendimento liberal pressupõe a existência<br />

de instituições estáveis e, sobretudo, tribunais independentes (isto é,<br />

não subjugados por interesses econômicos). Talvez por essa razão não<br />

tenha conseguido ir muito além da Grã-Bretanha. 4 No Brasil, mesmo as<br />

organizações não governamentais parceiras da Article 19, como a Agência<br />

de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), o Instituto de Estudos Socioeconômicos<br />

(Inesc), o Instituto Alana e o Intervozes/Coletivo Brasil de<br />

Comunicação Social, parecem mais próximas do entendimento descrito<br />

como normativo-tático.<br />

O Intervozes 5 chegou a formular uma definição de direito humano<br />

à comunicação que, na linha da tática de abordagem, é mais uma afirmação<br />

de expectativas sociais legítimas que uma prescrição de condutas<br />

relacionadas ao ato comunicacional:<br />

O direito de todas as pessoas de ter acesso aos meios de produção e veiculação<br />

de informação e cultura, de possuir condições técnicas e materiais<br />

para ouvirem e serem ouvidas e de ter o conhecimento necessário<br />

para estabelecer uma relação autônoma e independente frente aos meios<br />

de comunicação.<br />

Nessa linha, vale citar ainda o entendimento apresentado por Spenillo<br />

(2008, pp. 30-1) em sua tese de doutorado:<br />

Para nós, objetivamente, a categoria direito e seu arcabouço conceitual<br />

são acionados pela luta organizada por mudanças na comunicação como<br />

tentativa de ampliação ou recomposição de horizontes políticos e teóricos<br />

em relação a categorias fortemente marcadas por momentos e embates<br />

políticos históricos como o de classe social. Ao apontar para direitos<br />

humanos, a demanda aplica-se a diferentes grupos sociais que vêm processualmente<br />

se organizando em busca de reconhecimentos sociais e<br />

políticos, como jovens, mulheres, negros, índios, idosos.<br />

Apesar de não inovar em relação a outras formulações conhecidas, 6 a<br />

definição do Intervozes e a ponderação de Spenillo conseguem sublinhar<br />

o que há de mais importante no debate sobre o direito à comunicação:<br />

somente o ser humano, a pessoa física, pode ser titular e, por isso, pode<br />

exercê-lo. Dessa forma, se não esconjuram a maldição, pelo menos expressam<br />

o patamar alcançado pelo direito – e pela Constituição Federal de<br />

1988 –, no âmbito pelo qual todo plano de regulação ou regulamentação<br />

deve se realizar. Abaixo desse patamar, constitucional e civilizatório,<br />

nenhuma norma pode vigorar, sob a pena de introduzir no ordenamento<br />

jurídico brasileiro interesses e privilégios contrários à prevalência dos<br />

direitos humanos e à dignidade das pessoas.<br />

A PRETENSA “LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMERCIAL”<br />

É o que parece ser a famigerada liberdade de expressão comercial, que<br />

não se trata apenas de retórica embotada da década de 1990. 7 Embora seja<br />

um “não conceito”, isto é, uma locução sem significado específico, liberdade<br />

de expressão comercial consolidou-se como termo de ordem contra<br />

a regulamentação da publicidade (abusiva ou enganosa) em meados de<br />

2008, quando da realização do IV Congresso Brasileiro de Publicidade.<br />

Se fosse apenas uma “ideia fora do lugar” 8 utilizada politicamente para<br />

causar efeito epidérmico sobre o grande público, 9 tudo bem. Ninguém poderia<br />

condenar o empresariado da comunicação por inventar e entoar seu<br />

próprio refrão, até para responder à eterna provocação de “o povo não é<br />

bobo, abaixo a Rede Globo”. Mas a defesa da existência de uma liberdade<br />

de expressão comercial para pessoas jurídicas prejudica o que se afirma<br />

defender, ou seja, as liberdades democráticas, porque a liberdade de expressão,<br />

enquanto direito humano, será sempre uma garantia individual contra<br />

a ingerência de pessoas jurídicas, seja qual for: um Estado, uma empresa<br />

e mesmo uma ONG. Liberdade de expressão não pode ter adjetivos nem<br />

senões, porque, a princípio, isso acaba por relativizá-la ou restringi-la.<br />

322 • CRIANÇA E CONSUMO – 10 ANOS DE TRANSFORMAÇÃO LEGISLAÇÃO • 323

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