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criança e consumo

Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao

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os segmentos do mercado devem ter seu código de autorregulamentação.<br />

O que não me parece adequado, porém, é a defesa de que, diante do fato<br />

da existência de um código de autorregulamentação, não pode o poder<br />

público atuar no tema, seja legislando, seja fiscalizando. Penso assim<br />

em relação a todo e qualquer ramo de atividade. Nenhuma atividade que<br />

tenha repercussão pública pode ficar fora da alçada do poder público.<br />

Com o advento do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária,<br />

a atividade passou a ser regida por uma série de princípios<br />

internos, destacando-se dois: todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se<br />

às leis do país e todo anúncio deve ser preparado com o devido<br />

senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenças<br />

sociais. São princípios cuja escolha merece elogios, ainda que o primeiro<br />

apresente na prática uma contradição: se é essencial que o princípio da<br />

publicidade se conforme com a legislação do país, qual é o sentido da<br />

defesa feita pelo Conar de que não devem existir leis regulamentando a<br />

publicidade? Ou seja, o próprio Conar admite a possibilidade de legislação<br />

estatal sobre o tema. A alternativa interpretativa seria entender<br />

que o órgão concorda que se legisle sobre produtos e serviços e que o<br />

único limite da legislação publicitária seriam essas restrições. Sob essa<br />

interpretação, somente poderiam ser regulamentadas as publicidades<br />

comerciais que envolvessem tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos,<br />

medicamentos e terapias (parágrafo 4º do artigo 220 da Constituição<br />

Federal). Como veremos a seguir, tal interpretação não se sustenta, tanto<br />

que foram aprovadas regras gerais sobre proteção do consumidor contra<br />

publicidades abusivas e enganosas.<br />

Na linha de pensamento da não exclusividade de qualquer autorregulamentação<br />

do setor empresarial, parece-nos mais que justificável a<br />

aprovação de regras para as atividades do setor publicitário no Código<br />

de Defesa do Consumidor, isso já no final da década de 1980. Assim, o<br />

Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, constitui importante<br />

ferramenta para legitimar a proteção do consumidor quando ocorre a<br />

extrapolação dos limites de sua dignidade. Tais regras são gerais, aplicando-se<br />

a todo tipo de conteúdo publicitário. Em seu artigo 37, estabelece:<br />

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.<br />

[...]<br />

§ 2 o É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer<br />

natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição,<br />

aproveite-se da deficiência de julgamento e experiência da <strong>criança</strong>,<br />

desrespeite valores ambientais ou que seja capaz de induzir o<br />

consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde<br />

ou segurança.<br />

O tema do controle em relação à publicidade para a <strong>criança</strong> coloca-se<br />

nesse contexto, em especial por conta do conceito de publicidade<br />

abusiva. Pela redação do parágrafo 2º do artigo 37 do Código de Defesa<br />

do Consumidor, a primeira pergunta que vem à tona é: qualquer publicidade<br />

para a <strong>criança</strong> já seria ilegal? Isso porque faria parte da natureza do<br />

público-alvo não ter pleno julgamento da realidade que a cerca e, assim,<br />

haveria sempre deficiência de julgamento e experiência. São vários os<br />

psicólogos que demonstram que a <strong>criança</strong> é um ser em formação e que,<br />

por isso, apresenta um grau de vulnerabilidade extremado.<br />

A discussão cabível no caso, e que não é jurídica, é definir a partir<br />

de que idade a pessoa começa a ter noção da realidade, podendo separar<br />

fatos e imaginação, podendo ter julgamentos éticos sobre as ações<br />

humanas e suas ações em particular. O processo educativo consiste em<br />

ofertar instrumentos para que a <strong>criança</strong> possa fazer isso, mas até certa<br />

idade ela não tem instrumentos para agir com noção das consequências<br />

de seus atos. Meu entendimento é: a <strong>criança</strong> é uma pessoa em fase de<br />

desenvolvimento e, por conta disso, tem deficiência de julgamento por<br />

natureza. Mas nossa jurisprudência está muito longe de concordar com<br />

essa interpretação, e, mesmo quando concorda com ela, diversos julgados<br />

entendem que cabe apenas aos pais a obrigação de cuidar dos filhos, não<br />

devendo o Estado intrometer-se nesse processo. Virgílio Afonso da Silva<br />

demonstra a ausência de fundamento:<br />

306 • CRIANÇA E CONSUMO – 10 ANOS DE TRANSFORMAÇÃO LEGISLAÇÃO • 307

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