criança e consumo
Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao
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CHAMADO DA AVENTURA<br />
Em pesquisa sobre esse assunto, Chombart realça o quanto é comum<br />
aos autores literários expressar visões da <strong>criança</strong> em estado de devaneio,<br />
como se ela tivesse aptidão para evadir-se do cotidiano. No sentido de<br />
viver como quem ocupa o mundo adulto, a pesquisadora e ativista francesa<br />
reforça meu pensamento quando frisa que, em muitos casos, essa<br />
evasão é sinal de que a <strong>criança</strong> percebe na rotina dos adultos um sentido<br />
inferior ao universo imaginário. “As <strong>criança</strong>s não se evadem apenas<br />
num outro mundo através de devaneios ou de certos jogos. Elas buscam<br />
o chamado da aventura para partir para a descoberta ou fogem porque<br />
não podem mais suportar a vida cotidiana” (pp. 118-9).<br />
O que parece uma dificuldade infantil de separar o real do imaginário<br />
é, nesse aspecto, um extraordinário recurso de apreensão do mundo. A<br />
própria entrega de ânimo ao consumismo tem muito da falta de opções<br />
de aventuras e descobertas culturais. A realidade torna-se desinteressante,<br />
e a <strong>criança</strong> tende muitas vezes a adoecer diante dos monitores.<br />
Não obstante a inquestionável qualidade do conteúdo narrativo de alguns<br />
videogames, com seus recursos literários, cinematográficos e interativos,<br />
o código das palavras ainda é o mais extraordinário provocador do diálogo<br />
das referências. “É ao mesmo tempo a efervescência da vida na <strong>criança</strong>,<br />
sua curiosidade, sua sede de descobrir, que a impulsionam a realmente<br />
partir para a aventura ou para o devaneio”, reflete Chombart (p. 123).<br />
Sou defensor da sociabilidade integral, com <strong>criança</strong>s e adultos participando<br />
da vida comunitária. Entretanto, cuido de não esquecer que<br />
as <strong>criança</strong>s necessitam da convivência umas com as outras, sem a interferência<br />
do adulto. Chombart esclarece que “o tipo de grupo que as<br />
<strong>criança</strong>s formam, quando estão reunidas, completa simultaneamente<br />
as características da personagem e a imagem de ‘outro mundo’ que é<br />
suscetível de criar quando vive livremente com seus semelhantes” (p.<br />
129). A relação <strong>criança</strong>-sociedade encontra no consumismo um falso<br />
ponto de equilíbrio. Comprar é o verbo de ligação dos aforismos modernos,<br />
tais como “<strong>consumo</strong>, logo existo”, e, na ação de “fazer login”,<br />
de conectar-se, a nova máxima: “logo, logo existo”. Assim, muitas<br />
relações entram em situações de oposição, alimentadas pelo contraste<br />
gerado entre o mercado e a cultura.<br />
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