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SONHO GRANDE

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Uma dose de pirotecnia<br />

T<br />

omar cerveja no Brasil na década de 80 era coisa para gente prevenida. À medida<br />

que a temperatura subia, não apenas os preços aumentavam, como a bebida<br />

simplesmente sumia das prateleiras. As fábricas não produziam em quantidade<br />

suciente e as revendas falhavam na distribuição. O nível de ineciência era tamanho<br />

que consumidores mais cautelosos faziam estoque em casa antes da chegada do<br />

verão – os que não se programavam enfrentavam las em supermercados e até<br />

racionamento. Uma reportagem publicada no jornal Folha da Tarde em dezembro<br />

de 1987 retratava o que acontecia com os clientes que buscavam cerveja na rede Paes<br />

Mendonça, então uma das maiores varejistas do país: “Desde cedo consumidores<br />

formam las para entregar vasilhames vazios e obter senhas que os autorizam a<br />

levar 12 garrafas por vez.” Sob qualquer ângulo que se observasse, aquela era uma<br />

situação patética, em que todos os envolvidos saíam perdendo.<br />

Para a turma do Garantia, não havia o menor sentido em deixar de vender por<br />

absoluta incapacidade de colocar o produto nas gôndolas. Era preciso azeitar o<br />

processo de produção e, principalmente, tornar as revendas mais ecientes. Marcel<br />

Telles havia passado várias semanas conhecendo cervejarias americanas e viu de<br />

perto como a gigante Anheuser-Busch lidava com sua distribuição – um sistema<br />

superajustado capaz de entregar seu principal produto, a Budweiser, em praticamente<br />

todos os bares, restaurantes e supermercados dos Estados Unidos. Na comparação<br />

com a Brahma, a Anheuser-Busch ganhava de lavada. O que Marcel fez? Usou a<br />

velha fórmula da “cultura Garantia”: copiou o que viu de melhor lá fora.<br />

Adilson Miguel, o executivo da Brahma que provavelmente melhor conhecia o<br />

mercado cervejeiro – não por meio de planilhas e relatórios, mas porque visitava<br />

pessoalmente clientes e revendas –, foi o escolhido para conduzir a mudança. “Nossa<br />

distribuição estava nas mãos de um monte de empresas despreparadas,<br />

normalmente escolhidas só porque eram de um amigo ou parente de algum diretor<br />

da Brahma”, diz Miguel. “Passavam de pai pra lho, num esquema parecido com o<br />

de cartórios, mesmo que o desempenho não fosse lá essas coisas.” Para dicultar<br />

ainda mais, a Brahma trabalhava com quase mil revendas diferentes, o que trazia<br />

uma enorme complexidade à operação. Era tudo tão pulverizado que poucas delas<br />

conseguiam de fato ganhar dinheiro. Desestimuladas e com o caixa à míngua, elas<br />

quase não investiam em melhorias – e desse modo o círculo perverso da ineciência<br />

se autoalimentava.

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