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SONHO GRANDE

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concentrar as atividades no open market –, Jorge Paulo Lemann precisava, mais do<br />

que nunca, de uma equipe aada. Agora que era um dos principais acionistas da<br />

empresa, podia colocar em prática os princípios de meritocracia em que sempre<br />

acreditou. Para ele, o que importava era talento e suor. Relações de amizade ou de<br />

parentesco tinham pouco valor e às vezes podiam até jogar contra. Filhos e esposas<br />

de sócios, por exemplo, eram proibidos de trabalhar na corretora. Relações<br />

amorosas no ambiente de trabalho eram proibidas. (Essa talvez tenha sido a regra<br />

menos respeitada, já que houve vários casamentos entre pessoas que trabalhavam ali<br />

– até mesmo sócios como Luiz Cezar Fernandes e Eric Hime se casaram com<br />

funcionárias da instituição. Nesses casos, um dos membros do casal era obrigado a<br />

deixar o Garantia.)<br />

Havia um tipo especíco de prossional que Jorge Paulo estava sempre farejando<br />

e que ele batizou com a sigla PSD: Poor, Smart, Deep Desire to Get Rich (pobre,<br />

esperto, com grande desejo de enriquecer). No início, ter uma educação em escolas de<br />

primeira linha ou experiência internacional não fazia parte das principais<br />

características que o nancista buscava. A razão era simples. Naquela época o país<br />

crescia sobretudo graças à intervenção do governo, com a criação de estatais,<br />

incentivo às exportações e projetos nanciados por dívida externa. Nesse ambiente<br />

rudimentar, tanto a corretora Garantia quanto outras instituições nanceiras<br />

prosperaram negociando, principalmente, títulos da dívida do governo. Assim, valia<br />

mais a pena ter gente com jogo de cintura, bom faro de vendedor e até uma certa<br />

malandragem do que jovens brilhantes mas sem traquejo. “Todo mundo ali tinha<br />

um pouco da ‘escola da vida’, de frequentar a praia. Eram outros tempos. Os<br />

garotos agora são criados em frente ao computador”, diz Clóvis Eduardo Macedo,<br />

que chegou ao Garantia em 1976, tornou-se sócio e só saiu duas décadas depois. Ele<br />

foi um dos PSDs que o Garantia tornou milionários – e reza pela mesma cartilha do<br />

antigo banco em sua administradora de recursos, a Nobel, localizada no bairro do<br />

Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro.<br />

Pense num mundo sem internet. Aliás, pense num mundo sem qualquer tipo de<br />

computador e até mesmo sem calculadora nanceira. Numa época em que o telex<br />

era um grande avanço tecnológico (os aparelhos de fax só começaram a ser<br />

produzidos em larga escala no exterior a partir da década de 1970), todas as<br />

transações nanceiras eram “físicas” – ou seja, a venda de uma ação, por exemplo,<br />

exigia que o vendedor de fato entregasse o papel ao comprador. Os títulos e ações<br />

eram sempre “ao portador”. Em outras palavras, ninguém sabia quem realmente<br />

estava comprando ou vendendo nada, o que abria brechas para vários tipos de<br />

manipulação. Se um título fosse roubado ou perdido, por exemplo, era preciso entrar<br />

na justiça para cancelar aquele papel e conseguir a emissão de um novo que o<br />

substituísse. A CVM e o Banco Central, criado em 1964, ainda eram novatos em<br />

várias atividades. Esse cenário de regulamentação um tanto frouxa deixava margem

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