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SONHO GRANDE

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começar de baixo. Era norma no Garantia que a primeira atividade dos recémrecrutados<br />

seria sempre a liquidação, ou, como se falava dentro da rma, o “balé do<br />

asfalto”. Apesar do nome poético, a função não tinha nada de glamurosa. O<br />

liquidante nada mais era que um office boy de luxo, que levava para cima e para<br />

baixo todos os papéis negociados pelo banco. Marcel não viu o menor problema em<br />

pagar o pedágio. Ele faria qualquer coisa para chegar a operador do tal open<br />

market.<br />

O balé do asfalto durou poucas semanas. Em seguida Marcel foi transferido para<br />

a área técnica do banco. Ele tinha pressa. Para se aproximar de seu objetivo, pediu a<br />

um dos principais operadores da mesa para cuidar de uma operação simples,<br />

conhecida como “cheque BB”, que movimentava papéis do Banco do Brasil apenas<br />

entre oito e nove da manhã – horário que em nada comprometia seu trabalho.<br />

Como argumento extra para convencer o tal operador a deixá-lo chegar perto da<br />

mesa, Marcel prometeu lhe dar carona todos os dias, em seu Fusca azul-marinho<br />

ano 72. Talvez por conar em Marcel, talvez por precisar desesperadamente do<br />

transporte, o sujeito topou a oferta. Não demorou para Marcel mostrar que era um<br />

talento natural como operador. Tinha sangue-frio, tomava decisões rapidamente,<br />

estava sempre bem informado.<br />

Graças a suas conexões no exterior, Jorge Paulo Lemann conseguiu um estágio<br />

para Luiz Cezar Fernandes nas matrizes do JP Morgan e do Goldman Sachs, nos<br />

Estados Unidos. Disléxico, Fernandes nunca conseguiu aprender outros idiomas e<br />

precisaria de alguém que o acompanhasse como tradutor. O intérprete devia ser<br />

alguém que falasse inglês, entendesse do mercado nanceiro e parecesse conável. O<br />

escolhido foi Marcel Telles. Fernandes descreve a viagem da dupla:<br />

“O estágio foi uma beleza. O Marcel, um cara superinteligente, foi exposto aos<br />

melhores bancos e entendeu aquilo tudo rapidamente... No Goldman ouvimos pela<br />

primeira vez a palavra overnight. Que porra era aquela de aplicações que podiam ser<br />

resgatadas no dia seguinte? Aqui a gente só sabia tomar dinheiro por 30 dias, 180<br />

dias... Aprendemos como era e trouxemos a tecnologia do overnight para o Brasil...<br />

Depois a gente foi para uma empresa chamada Discount, que era a maior dealer<br />

do Fed (o banco central americano) na época. Aí vimos como eles lidavam com títulos<br />

do Tesouro, como lidavam com leilão e também trouxemos para discussão no Banco<br />

Central.”<br />

O bom desempenho de Marcel na mesa de operações e sua capacidade de colocar<br />

em prática coisas novas chamaram a atenção de Jorge Paulo. Numa conversa com<br />

Marcel, o nancista elogiou seu desempenho e avisou que ele poderia chegar a sócio.<br />

Para o jovem de classe média que jamais vislumbrara a possibilidade de migrar da<br />

condição de empregado para dono, a “cenoura” que o chefe oferecia era tentadora.<br />

Ganhar dinheiro e ainda por cima fazer as coisas do seu jeito parecia bom demais.<br />

Menos de dois anos depois de entrar na corretora, Marcel Telles ganhou o direito de<br />

comprar uma participação de 0,5%. Não era muito, mas era um começo.

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