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Política e cotidiano - ABA

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ALINNE DE LIMA BONETTI<br />

Nessas situações, eu era o sujeito marcado socialmente, a<br />

diferente. As possibilidades de identificação com base na cor<br />

eram-me muito menores; brancas como eu eram exceções nas<br />

situações em que regularmente eu me encontrava, em que a<br />

regra era ser não branco. Conforme aprendera com Lauro, a<br />

minha cor e a minha origem de classe pesavam, e a minha<br />

presença despertava curiosidade: o que ia fazer naquela vila?<br />

De onde vinha? Por quanto tempo permaneceria? Viera sozinha?<br />

Não sentia saudades de casa e da família? Como eu podia ser<br />

tão nova (aos olhos dos meus interlocutores) e tão aventureira?<br />

O inquérito a que era disfarçadamente submetida pelos<br />

meus interlocutores indicava-me dados importantes sobre<br />

aquele universo e sobre como eu me colocava nele. Mostravamme<br />

que, além da minha cor e da minha origem de classe, o meu<br />

sexo também importava. Neste enfrentamento, passei<br />

paulatinamente a perceber a queda do “mito do antropólogo<br />

assexuado”, conforme descrito pela antropóloga Miriam Grossi<br />

(1992), e o quanto eu estava empenhada nele sem o saber.<br />

Tal mito remete a uma postura adotada pelas<br />

pesquisadoras em campo, e identificada pela antropóloga, as<br />

quais procuram escamotear os atributos de gênero “sob a capa<br />

de um terceiro gênero, nem homem, nem mulher, mas um ser<br />

neutro e assexuado” (GROSSI, 1992: 13). Esse recurso parece<br />

ser posto em ação como uma forma de proteção aos potenciais<br />

riscos advindos do imaginário acerca de mulheres viajando<br />

sozinhas, longe das suas redes de parentesco e do seu<br />

<strong>cotidiano</strong> 10 . As perguntas que me eram feitas remetem a esse<br />

imaginário e me mostraram o quanto eu me iludia com uma<br />

suposta capa de proteção, que se revelava inócua, como<br />

explicitou o tio de Isabela, que eu acabara de conhecer 11 . Ao<br />

ouvir nossa conversa sobre a minha pesquisa, num almoço de<br />

domingo em família, o senhor, do alto dos seus cinqüenta anos,<br />

10 Segundo Grossi, esse mito relaciona-se com os impactos subjetivos do trabalho de campo<br />

que atingem diferencialmente pesquisadoras e pesquisadores, sendo que os segundos “pouco<br />

explicitaram seus questionamentos subjetivos às identidades de gênero” (GROSSI, 1992:<br />

13).<br />

11 Isabela, de 19 anos, negra, é uma jovem ativista do Programa Juventude, Cultura e<br />

Cidadania da Associação Pró-Mulher.<br />

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