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Política e cotidiano - ABA

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INTRUSAS BEM-VINDAS: UM OLHAR SOBRE OS CRUZAMENTOS ENTRE GÊNERO, RELAÇÕES DE PODER E<br />

SENSIBILIDADES NA PESQUISA ETNOGRÁFICA<br />

comunicando-se com os seus amigos que deviam estar<br />

assistindo a tudo, abriu os braços e deu de ombros, rindo-se<br />

para eles, numa atitude de como quem dizia: fazer o quê? Logo<br />

foi juntar-se com o grupo. As pessoas que estavam na parada<br />

não disseram nada, assim como eu. Assistimos a tudo silentes.<br />

Quando o guri se afastou, ouvi comentários do tipo: será que era<br />

só o ônibus mesmo que ele queria pegar? Vestido daquele jeito... Enfim,<br />

duvidavam da posição do guri e se sentiam protegidos pelo<br />

policial. Eu me sentia sem parâmetros. Senti muito medo e um<br />

misto de culpa: medo por não saber o que estava acontecendo<br />

ali, porque poderia a qualquer momento irromper um tiroteio,<br />

por me sentir vulnerável e desprotegida, por não saber se temia<br />

o menino ou o policial; culpa por ter sentido medo do menino,<br />

por não saber decodificar se era assaltante ou não, por ter<br />

compactuado com aquela truculência da polícia, por não me<br />

ter manifestado em função de não saber se sentia medo do guri<br />

ou dos policiais. Em seguida, o meu ônibus passou, e a viagem<br />

transcorreu bem, apesar do meu tremor. Quarenta minutos mais<br />

tarde, cheguei à casa de Olívia e contei para Ciça, uma ativista<br />

do grupo jovem da Associação Pró-Mulher, a cena que<br />

presenciara. Miguel, marido de Olívia, interessou-se pelo<br />

assunto e me perguntou mais sobre o ocorrido. Contei-lhe com<br />

mais detalhes. Disse-me, em seguida, com uma ironia fina, que<br />

Lauro, o seu enteado e filho mais velho de Olívia, era quem<br />

mais gostava desses policiais, posto que sempre o atacavam<br />

para revistá-lo, ainda mais em função da sua aparência: se tem<br />

cabelo comprido e se usa brinco, eles vão longo parando e revistando.<br />

Fiquei mais atônita ao imaginar Lauro, que conhecia e de quem<br />

gostava muito, no lugar do menino. Ciça perguntou-me se<br />

depois o policial tinha enxotado o guri, prática comum entre os<br />

policiais (Diário de Campo, 17.03.05).<br />

Geertz (1989), no seu clássico “Notas sobre a briga de galos<br />

balinesa”, descreve como passou a ser aceito no universo de<br />

pesquisa, após, instintivamente, ter agido como os nativos.<br />

Segundo afirma, a situação “(...) colocou-me em contato direto<br />

com uma combinação de explosão emocional, situação de guerra<br />

e drama filosófico de grande significação para a sociedade cuja<br />

natureza interna eu desejava entender” (Idem: 283). Sua atitude<br />

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