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Política e cotidiano - ABA

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INTRUSAS BEM-VINDAS: UM OLHAR SOBRE OS CRUZAMENTOS ENTRE GÊNERO, RELAÇÕES DE PODER E<br />

SENSIBILIDADES NA PESQUISA ETNOGRÁFICA<br />

sobre a dinamicidade das relações de poder em campo,<br />

revelando que tais relações flutuam e se modificam.<br />

Aprendi que a vulnerabilidade (que tinha cor, sexo, classe<br />

e talvez idade), em determinados contextos e situações em que<br />

me colocava na situação de pesquisa, foi um elemento<br />

importante na negociação dos recursos de poder no processo<br />

do trabalho de campo. Fui, assim, paulatina e cotidianamente,<br />

apreendendo a cidade e aprendendo a cultivar o sentimento<br />

do medo. Como lembra Schwade (1992: 45), “as relações de<br />

poder são sutis. [Instauram] um conflito no campo da<br />

subjetividade do pesquisador antropólogo e pesquisador<br />

pessoa”. Dessa forma, esse aprendizado me fazia tomar uma<br />

série de cuidados para não correr riscos desnecessários.<br />

Observava horários, itinerários e as estratégias nativas de andar<br />

sempre acompanhada (o que, para mim, era difícil na maior<br />

parte das vezes). E, sobretudo, estabeleci um pacto comigo<br />

mesma de que, se algo acontecesse, eu retornaria para casa, de<br />

forma a apaziguar o medo que passara a me acompanhar 17 . Mas<br />

esse “algo” era relativo demais, como acabou se revelando.<br />

3. Medo como uma questão de cor, classe e gênero?<br />

A crescente consciência das convenções que organizam o<br />

mapa social local me fazia temer e me vulnerabilizava; ao<br />

mesmo tempo, mantinha uma postura de auto-vigilância: será<br />

que não estava a sucumbir ao discurso do medo? A um discurso<br />

que, em certa medida, me é muito familiar, posto ser pervasivo<br />

ao universo das classes médias brasileiras, quer estejam onde<br />

estivessem? E é nesse momento que o conflito subjetivo que<br />

divide o pesquisador-pessoa do pesquisador-antropólogo<br />

mencionado acima passa a fazer mais sentido. As evidências<br />

empíricas eram recorrentes, a observação de situações<br />

transformava o meu olhar, bagunçava os meus parâmetros,<br />

aflorava as minhas sensibilidades: o medo se misturava à<br />

perplexidade. Nunca presenciara tantos assaltos e situações de<br />

17 Pensava em situações hipotéticas que envolvessem riscos de morte mais concretos, como<br />

assaltos à mão armada, como nos relatos que ouvia.<br />

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