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Política e cotidiano - ABA

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“O SENHOR ME USA TANTO”:<br />

EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E A CONSTRUÇÃO DO CORPO FEMININO NO PENTECOSTALISMO<br />

experiência do poder de Deus se desdobra em dons – em um<br />

conjunto de capacidades (visão, percepção, palavra, revelação,<br />

discernimento, cura, etc) presenteadas por ele a seus filhos mais<br />

dedicados, e em reconhecimento a esta dedicação (poderíamos<br />

dizer, desenvolvidas como resultado prático das práticas pelas<br />

quais os fiéis se dedicam e obedecem às injunções divinas). O<br />

cultivo dos dons é parte de uma trajetória de aquisição de<br />

habilidades legitimadas e valorizadas tanto no interior do grupo<br />

religioso quanto fora dele. Por um lado, a descoberta do dom é<br />

reconhecimento de si como interlocutora hábil e sensível de<br />

Deus. Conforme vimos no exemplo acima, contribui para<br />

modificar a disposição geral da mulher nas relações domésticas,<br />

com marido e filhos (na medida em que introduz, nessas<br />

relações, uma voz sagrada da qual são ouvintes e destinatárias<br />

privilegiadas). Por outro lado, o exercício dos dons também<br />

lança a mulher em um novo e ampliado circuito de relações:<br />

não apenas aprofundando sua participação na igreja e em<br />

atividades religiosas que ultrapassam os limites do bairro, como<br />

também fazendo dela uma referência na vizinhança, especialista<br />

religiosa chamada com freqüência nas casas para orar por<br />

doentes e expulsar demônios.<br />

Quando procuramos traçar o percurso de aquisição dos<br />

dons entre as mulheres, podemos perceber que, em geral, os<br />

primeiros dons a se manifestar correspondem a formas de<br />

atenção e de sensibilidade ao contexto – um senso de situação<br />

(muitas vezes de riscos iminentes) – e aos outros (por exemplo,<br />

“intuição” de afetos como inveja ou angústia). É possível supor<br />

que esses dons são extensão de uma sensibilidade difusa através<br />

da qual as mulheres aprendem desde cedo a se orientar no seu<br />

<strong>cotidiano</strong>. Entretanto, ao ser legitimada, na religião, como dom,<br />

essa sensibilidade vem a ser explicitamente cultivada (e<br />

possivelmente desenvolvida). Na igreja, abre-se um espaço para<br />

seu exercício (é comum que dirigentes experientes chamem<br />

obreiras mais novas para pregar ou revelar, marcando os passos<br />

de seu aprendizado); e, em casa, o diálogo com Deus se<br />

multiplica (atentando para variadas esferas de experiência<br />

cotidiana, as mulheres apostam na presença dos sinais divinos,<br />

transformando-os em matéria explícita de conversa e de<br />

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