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Política e cotidiano - ABA

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SORAYA FLEISCHER<br />

dificuldade de parir em casa porque não controlam totalmente<br />

o orçamento doméstico (mesmo que contribuam com seus<br />

salários dos empregos na prefeitura, casas de família, comércio<br />

local) e tampouco conseguem convencer o marido a sempre<br />

destinar parte do mesmo para o serviço da parteira 21 . O parto<br />

domiciliar, portanto, está condicionado ao “pacto de<br />

reciprocidade conjugal” entre o casal. Uma outra parteira<br />

bastante procurada na cidade, D. Tetéia, reforçou esse ponto:<br />

“as mulheres sem marido pagam melhor que os homens. Elas<br />

já têm na rede pra me dar. Acabo de fazer o parto, e elas já<br />

puxam o dinheiro e me pagam. Guardam dentro da rede”.<br />

E, assim, Joana concluiu, em nossa conversa acima: “pois<br />

é, Soraya, só as mais pobrezinhas é que vão para Unidade”.<br />

Dentro da mesma lógica, não foi um despropósito Lívio, o<br />

enfermeiro que mais implicava com Joana em sua decisão pelo<br />

parto domiciliar, dizer: “a Jô tá mesmo é muito pavulage 22 por<br />

não querer parir na Unidade”. Lívio sugeria que Joana, apesar<br />

de ser de trás, não ter marido e contar apenas com seu salário de<br />

servente para criar os filhos e manter a casa, esnobava o serviço<br />

público. A diferença, a meu ver, é que Joana não se via como<br />

uma pobrezinha e muito menos estava sozinha. Assim, parece que<br />

são as mulheres sem dinheiro algum, sem redes sociais locais e<br />

sem o amparo de uma parteira que apelam à Unidade. E, pelo<br />

fato de serem sozinhas, tampouco contam com vínculos locais<br />

que cobrem um atendimento eficiente e cuidadoso na Unidade<br />

– e tenderão, assim, a estar mais vulneráveis aos maus tratos.<br />

Vale lembrar que as mulheres da frente, que contam com<br />

mais recursos, também preterem a Unidade e vão parir,<br />

preferencialmente, em Belém e Macapá, como me lembrava D.<br />

Dina: “essas pessoas com mais dinheiro não chamam as<br />

parteiras. Vão tudo para o hospital”. E, nos hospitais públicos<br />

21 Um nó que ainda não consigo desfazer é o fato de os homens sentirem ciúmes dos<br />

funcionários da Unidade e, mesmo assim, não guardarem dinheiro para pagarem às<br />

parteiras. Por enquanto, poderia sugerir uma saída: talvez os maridos prefiram que o parto<br />

aconteça em cidades vizinhas se for mais fácil dever dinheiro para outros homens (com o<br />

barqueiro, o dono do posto de combustível, o motorista de táxi) do que às parteiras. Só uma<br />

maior análise de meus dados poderá comprovar essa idéia.<br />

22 Pavulage e pavulagem são regionalismos amazônicos da palavra “pabulagem”, isto é,<br />

“confiança excessiva em si mesmo; fatuidade, presunção” (HOUAISS, 2001).<br />

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