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Política e cotidiano - ABA

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SORAYA FLEISCHER<br />

mais difícil nos últimos dez anos que eu sou parteira”, segundo<br />

D. Dina – DC, 28/11/2004) e realçará os outros dois casos.<br />

O parto difícil e a morte neonatal do Caso 3 foram os<br />

assuntos mais presentes em todas as rodas de conversa na cidade<br />

naquele final do mês de novembro de 2004. Todos se<br />

perguntavam: “por que a Acácia não pariu no hospital em Belém<br />

se já sabia que era um parto de risco?”. As parteiras, Ana (a<br />

cunhada da moça), os vizinhos e até funcionários da SMS me<br />

explicaram que “naturalmente” a “culpa” caía sobre Acácia, tida<br />

como uma “mãe imprudente”. Algumas pessoas aventaram a<br />

possibilidade de Acácia ter perdido o bebê “de propósito” e<br />

apontavam os sinais de não o querer (“seus outros três filhos<br />

são mal cuidados”, “ela desgostou da vida quando o pai da<br />

criança não a assumiu”, “não fez a última consulta de pré-natal”,<br />

etc.). A princípio, concordei com essa interpretação e aventei a<br />

hipótese de o episódio ter-se tratado de uma forma (um tanto<br />

quanto arriscada tanto para a saúde da mulher quanto para o<br />

trabalho das parteiras) de evitar filhos. Não seguir as prescrições<br />

médicas, não chamar a parteiras, não empurrar no momento<br />

certo seriam estratégias para terminar, indiretamente, num<br />

infanticídio. Mas, com o passar dos dias, essa forte opinião foi<br />

sendo matizada. De fato, valia a pena levar em conta uma gama<br />

de informações que cercaram esse Caso 3 e colocá-lo em<br />

perspectiva a partir dos Casos 1 e 2.<br />

Parece que Acácia sabia que poderia ser culpada por esse<br />

parto. E uma certa inconsistência em seus discursos, durante e<br />

após o parto, mostram como ela tentava proteger-se. Vejamos<br />

três exemplos. Durante o tenso parto, Acácia disse: “eu fiz um<br />

ultra-som em Belém, e a médica disse que o parto era de risco e<br />

que eu não podia deixar a capital. Mas ela não me explicou por<br />

que era de risco. Mas, como o dia só era no início de dezembro,<br />

eu pensei que dava tempo de vir até aqui e voltar” (DC, 28/11/<br />

2004). Mas, quando lhe perguntei, no dia seguinte, por que tinha<br />

voltado a Melgaço, ela disse: “eu vim receber os três meses de<br />

pagamento de pensão. Ninguém podia tirar pra mim, ninguém<br />

podia receber por mim esse dinheiro. O parto provável era dia<br />

5 de dezembro. A médica disse que eu podia vir tranqüila”<br />

(DC, 29/11/2004). Nessa visita, ela também nos contou: “eu tive<br />

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