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Política e cotidiano - ABA

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INTRUSAS BEM-VINDAS: UM OLHAR SOBRE OS CRUZAMENTOS ENTRE GÊNERO, RELAÇÕES DE PODER E<br />

SENSIBILIDADES NA PESQUISA ETNOGRÁFICA<br />

tarde, liguei para Amelinha, para saber como tinham chegado.<br />

Disse-me ter chegado bem e que eu procurasse esquecer o que<br />

acontecera: a vida continua, o pior é o cobrador e o motorista, que estão<br />

sujeitos àquilo todos os dias. Eu vou tentar dormir também e espero<br />

esquecer também. Dei-lhe razão, a vida continuava, a delas e a<br />

minha. Despedi-me com um único pensamento: de onde tiraria<br />

coragem para pegar aquele ônibus novamente (Diário de<br />

Campo, 17.05.05)?<br />

Após esse episódio, permaneci em campo, cumprindo o<br />

cronograma que havia estabelecido. Neste “batismo de fogo”,<br />

como me refiro ao episódio jocosamente – agora que está<br />

distante temporal e geograficamente –, há algumas questões a<br />

destacar. Todas nós estávamos vulneravelmente expostas ao<br />

risco nesta situação e todas estávamos com medo. Lidamos de<br />

maneiras distintas com a sensibilidade que aflorava; e, nesse<br />

processo, a sensibilidade entrou como um importante<br />

desestabilizador das relações entre nós, tornando-nos desiguais<br />

para além de diferentes; eu era o pólo com menos recursos para<br />

lidar com aquela situação. O inusitado da situação para mim<br />

me deixara sem ação. Elas, mais acostumadas com situações<br />

semelhantes, vivenciadas de outras maneiras e também por<br />

pessoas das suas redes, eram mais diligentes e, talvez, menos<br />

temerosas<br />

A alteridade foi, mais uma vez, colocada à prova e<br />

explicitada. A preocupação de Amelinha era comigo, por<br />

exemplo; essa preocupação evoca uma disparidade na nossa<br />

relação, na medida em que ela se sentia responsável por<br />

assegurar meu bem-estar e minha segurança no seu universo.<br />

Os cuidados com que me cercaram, a atenção que Amelinha<br />

me dispensou, revelam o quanto a minha vulnerabilidade<br />

contingente era percebida ali como fragilidade. Mas parecia<br />

haver algo a mais a compreender dessa explicitação da diferença<br />

entre nós, representada pelas nossas distintas formas de lidar<br />

com o medo. O riso, provocado pela lembrança da minha cor<br />

característica, exacerbada pela lividez causada pelo susto do<br />

assalto, parecia querer dizer alguma coisa a mais. O assunto<br />

que rendeu em torno do evento evocava um pragmatismo, um<br />

desprendimento e uma certa bravura em lidar com essas<br />

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