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Política e cotidiano - ABA

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CESAR AUGUSTO FERREIRA DE CARVALHO<br />

Herdar: qual o sentido e quais os domínios que estão imbricados<br />

nesse complexo processo? Na busca de respostas a esta questão<br />

fundamental, a que se acrescentam outras tantas, Gotman (1988)<br />

investiga as práticas concretas de transmissão, colocando em evidência<br />

os enunciados ideológicos dos protagonistas envolvidos,<br />

na tentativa de compreender as razões do desejo de legar algo às<br />

gerações que se sucedem O que poderia parecer óbvio e esperado<br />

nesse processo sucessoral ganha contornos maiores, na medida<br />

em que nem tudo pode ser transmitido e, em sendo, não o será<br />

necessariamente de modo eqüitativo, já que várias dimensões da<br />

subjetividade, individual e do grupo, estão em jogo.<br />

Gotman ressalta que, na França contemporânea, perto de<br />

70% da população é, de fato ou em termos potenciais,<br />

constituída por herdeiros. Como se trata de uma riqueza<br />

providencial e não meritória – algo que corresponde à esfera<br />

do “atribuído” e não à do “conquistado” –, constitui-se um<br />

espaço tabu, a respeito do qual pouco se fala, sendo<br />

escamoteado e mesmo negado vigorosamente. Há grande<br />

silêncio em torno do assunto, e a autora se propõe a “abrir a<br />

caixa preta da herança” (GOTMAN, 1988: 2).<br />

Coloca-se, portanto, a questão da herança como elemento<br />

que denuncia a família, pois traz à tona seus mecanismos mais<br />

viscerais, já que dizem respeito à sua produção e reprodução,<br />

imediata e ao longo do tempo. Gotman chama atenção, ainda,<br />

para a idéia de que a herança ameaça a idealização afetiva que<br />

se pretende desvinculada dos fatores materiais, opondo amor<br />

e dinheiro. Daí, em parte, a razão da evitação e negação do tema.<br />

Se por um lado, a herança se apresenta como sistema de<br />

obrigações, para o qual converge a pressuposição de<br />

interdependência entre seus integrantes, por outro ela expressa<br />

um conjunto de fatos normativos, em relação aos quais não<br />

opera apenas a simples aplicação do direito – de um código<br />

escrito –, mas que implica a realização de verdadeiras estratégias<br />

familiares fundantes, com a interiorização de convenções morais<br />

que se estendem para além dos limites da esfera privada.<br />

Operam enraizamentos profundos no modo como os membros<br />

da família, na condição de indivíduos, organizam sua<br />

cosmovisão e atuam no mundo. Aponta a autora:<br />

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