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Política e cotidiano - ABA

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ALINNE DE LIMA BONETTI<br />

deu-lhe acesso a elementos cruciais do universo de investigação.<br />

À maneira de Geertz, na situação acima descrita, também agi<br />

como os nativos e pude aprender mais sobre aquele universo,<br />

entretanto me senti atravessada por um dilema ético.<br />

Como alguns nativos, senti medo, afastei-me e me calei<br />

frente ao que me parecia um ritual público de humilhação e de<br />

demonstração de força. Testemunhei o processo de uma<br />

pedagogia da desigualdade da qual discordo, que combato e<br />

contra a qual, naquele momento, não consegui manifestar-me.<br />

O dilema se agudizou quando imaginei o rosto conhecido do<br />

meu informante Lauro no lugar daquele adolescente anônimo.<br />

A pesquisadora, a cidadã e a pessoa entraram em choque.<br />

Confrontava-me com uma ambivalência entre o medo e a<br />

dúvida; estava entre dois códigos que me embaralharam os<br />

sentidos e a razão. O que fazer com o meu medo e com a injustiça<br />

daquele ato?<br />

Essa divisão mostrava-me, simultaneamente, mais dados<br />

sobre o mapa social local e sobre mim mesma. Por um lado,<br />

aprendia sobre as sutis cisões intra-classes, sobre as hierarquias<br />

sociais vigentes e sobre como são tratados os encontros entre<br />

desiguais. Por outro lado, percebia o quanto estava implicada<br />

nessas cisões. Como recorda Grossi (1992: 15-16), “todo mundo<br />

já disse mas nunca é demais lembrar que só se encontra o outro,<br />

encontrando a si mesmo”; via-me cara a cara com os meus<br />

próprios preconceitos, transformados ali em medo.<br />

No embate com o outro no encontro etnográfico, colocamonos<br />

em xeque. Zaluar (1985), ao abordar diretamente o medo<br />

que sentiu ao iniciar seu trabalho de campo na favela carioca<br />

Cidade de Deus, identifica, nesse sentimento, uma ambigüidade<br />

em relação ao rompimento do que chama de “barreira que<br />

separa classe trabalhadora pobre das outras classes sociais que<br />

gozam de inúmeros privilégios” (ZALUAR, 1985: 11). Pondera<br />

que o seu temor advinha da consciência crescente dessa barreira<br />

invisível e da imprevisibilidade do encontro em situações que<br />

fugiriam do seu repertório <strong>cotidiano</strong>.<br />

A antropóloga percebeu em si, com espanto, os “tantos<br />

obstáculos microscópicos a entravar o contato social mais íntimo<br />

entre nós [pesquisadora e pesquisados]” (ZALUAR, 1985: 11).<br />

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