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Política e cotidiano - ABA

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IARA BELELI<br />

revelam as marcas raciais na publicidade. A questão central é<br />

se, e como, a abertura destes espaços acentua ou não as marcas<br />

da diferença e se esse novo cenário propõe uma modificação<br />

dos lugares de ação dos sujeitos, agora, marcados pela “cor”. A<br />

ênfase, aqui, não é a discriminação, que, mesmo com todos os<br />

complicadores suscitados pela lei, é passível de punição 2 , mas<br />

o “estranhamento” 3 causado pela circulação de imagens nãoconvencionais<br />

em lugares bem convencionais.<br />

Antes de refletir sobre essa visibilidade, apresento<br />

algumas tensões criadas no bojo das discussões sobre as<br />

relações raciais como forma de situar o recente aparecimento<br />

de corpos escuros 4 na publicidade. A influência do pensamento<br />

eugênico, desde o final do século XIX, cria um imaginário do<br />

Brasil como um país mestiço, mas a ênfase na cor da pele não<br />

evoca aspectos de origem, antes marca a necessidade do<br />

branqueamento. Essa tese, discutida por vários autores no final<br />

do século XIX, remete à associação raça/cor/família como<br />

constitutiva da nação brasileira – “o aprimoramento da raça,<br />

através da família, como meio de forjar uma nova nação” 5 . Nesse<br />

projeto, os limites entre “cor” e “degeneração” eram estreitos;<br />

segundo Dain Borges, a degeneração também contemplava<br />

“uma psiquiatria do caráter, uma ciência da identidade e uma<br />

psicologia social”, gerando atributos que passavam pela feiúra,<br />

preguiça, inércia (BORGES, 1993: 235-236).<br />

Se essas análises se centram em debates políticos-literáriosmédicos,<br />

a operacionalização da “raça” na organização das<br />

relações sociais no Brasil é explorada, entre outros, por Donald<br />

Pierson e Oracy Nogueira. Na extensa e rica produção sobre<br />

2 Lei nº 7716 de 5 de janeiro de 1989 define os crimes resultantes de preconceitos de raça e<br />

de cor. Sobre as armadilhas da Lei, ver o debate Combatendo a discriminação (GUIMARÃES E<br />

HURTLEY, 2000).<br />

3 Para Homi Bhabha, “o ‘estranho’ fornece-nos de fato uma problemática não continuísta<br />

(...) essa lógica da inversão, que gira em torno de uma negação, é a base das revelações e<br />

reinscrições profundas no momento do estranhamento” (BHABHA, 1998: 31).<br />

4 Para evitar a profusão de aspas, na expressão “corpos escuros”, leia-se “corpos percebidos<br />

como escuros”.<br />

5 O trabalho de Ana Fonseca, infelizmente nunca publicado, esmiúça o debate político e<br />

literário que dominou a cena entre o final do século XIX e início do século XX sobre a<br />

constituição da nação (FONSECA, 1992: 292).<br />

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