Murilo Melo Filho O Acadêmico Olavo Bilac confessa que nunca esquecerá aquela cabeça que assomava à tribuna, transfigura<strong>da</strong> e olímpica, parecendo crescer, inchar, dilatar-se, num torvelinho <strong>de</strong> rompantes geniais. Essas imagens brotavam do fundo <strong>de</strong> sua alma, espontâneas e repentinas, que captavam o auditório, mudo e quedo, submisso e silencioso, perplexo e <strong>de</strong> respiração suspensa, num estado <strong>de</strong> êxtase, como se estivesse bebendo ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong> suas palavras. Os epítetos e as metáforas brotavam em cintilações <strong>de</strong> fulgores e <strong>de</strong> relâmpagos. As multidões prostravam-se aos seus pés, dóceis e obedientes, doma<strong>da</strong>s, diante <strong>da</strong>quele Deus <strong>de</strong> ébano. Era um tumulto feito homem, como bem <strong>de</strong>finiu o Acadêmico Araripe Júnior, um orador diferente, um misto <strong>de</strong> Cícero, Mirabeau, Danton, Lincoln e Robespierre, que parecia estar num palco, como um ator, representando um personagem importante, que no fundo era ele mesmo. Recor<strong>da</strong> o Acadêmico Coelho Neto: “Quem uma vez o viu na tribuna, guar<strong>da</strong>, por certo, na lembrança, a imagem <strong>de</strong> uma estranha figura semibárbara, quase grotesca. Não era um tribuno <strong>de</strong> escola, disciplinado e or<strong>de</strong>iro. O seu discurso não tinha melodia: era um silvo ou um rugido. O seu gesto era <strong>de</strong>sconexo. O seu olhar <strong>de</strong>spendia fagulhas. Avançava, recuava, girava, retraía-se, ficava na ponta <strong>dos</strong> pés e <strong>de</strong>spejava as suas bombas.” Há poucos minutos, o Acadêmico Marcos Almir Ma<strong>de</strong>ira contou-me que Coelho Neto <strong>de</strong>finia Patrocínio como “um <strong>de</strong>smantelo <strong>de</strong> tormenta”. A batalha pela Abolição <strong>da</strong> Escravatura já tinha mais <strong>de</strong> meio século e se iniciara antes mesmo <strong>de</strong> Patrocínio nascer. 134
Retrato <strong>de</strong> José do Patrocínio Desenho: anônimo, s.d. Patrocínio: Um jornalista na Abolição Retrato <strong>de</strong> José do Patrocínio na juventu<strong>de</strong>. Desenho: anônimo, c. 1870. 135