Ciclo dos Fundadores da ABL - Academia Brasileira de Letras
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missionário é espesso e palavroso; tem, pelo menos, cem páginas a mais. To<strong>da</strong>via,<br />
ain<strong>da</strong> hoje escreveria alguns capítulos como o <strong>da</strong> viagem do Padre, o<br />
dia do Chico Fidêncio, o enterro do Totônio Bernardino.<br />
O que acontece é que, à época, Inglês <strong>de</strong> Sousa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter elaborado,<br />
com êxito, o romance vivo, ligeiro, mor<strong>da</strong>z, que é O coronel Sangrado, julgou <strong>de</strong>ver<br />
comprovar sua aptidão para a expressão mais <strong>de</strong>nsa, carrega<strong>da</strong>, ao gosto<br />
naturalista do momento, o que fez em O missionário.<br />
Josué Montello diz que o “livro é gran<strong>de</strong> e <strong>de</strong>rramado”, vendo na preocupação<br />
naturalista a influência <strong>de</strong> Zola e do anticlericalismo <strong>de</strong> Eça em O crime<br />
do Padre Amaro.<br />
Bella Jozef, ao contrário, afirma que “não há sentimento anticlericalista n’O<br />
Missionário, apesar <strong>da</strong> idéia fixa no romance naturalista. Neste sentido afasta-se<br />
totalmente <strong>de</strong> Zola e outros romancistas <strong>da</strong> época. Ao contrário <strong>de</strong>les, o clérigo<br />
é ser humano e não obrigatoriamente repulsivo”. Suas intenções, envenena<strong>da</strong>s<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a origem por um sentimento anticristão, a saber, o orgulho e a presunção<br />
(conforme assinalou Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holan<strong>da</strong>, baseado, aliás, no<br />
próprio texto do livro) teriam <strong>de</strong> ruir em face <strong>dos</strong> imperativos <strong>da</strong> herança e do<br />
meio. “Sua que<strong>da</strong> não <strong>de</strong>corre tanto <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cumprir aqueles <strong>de</strong>veres<br />
sagra<strong>dos</strong> em condições adversas do meio social, como <strong>da</strong>s bases fragílimas<br />
em que eles realmente assentavam, o que evi<strong>de</strong>ncia, a nosso ver, a religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Inglês <strong>de</strong> Sousa. Um ímpio não teria problemas <strong>de</strong> fé, como o autor. O<br />
que faz o Padre Antônio <strong>de</strong> Morais pecar é sua pouca fé, o falso conceito <strong>de</strong><br />
santi<strong>da</strong><strong>de</strong> e misticismo, produto a ambição e <strong>da</strong> vai<strong>da</strong><strong>de</strong>.” 16<br />
Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, po<strong>de</strong> dizer-se que haverá n’O Missionário a inspiração <strong>de</strong> Cervantes<br />
para as figuras do Padre Antônio <strong>de</strong> Morais e <strong>de</strong> Macário, o sacristão,<br />
que lembram o Quixote e Sancho. Padre Antônio, cavaleiro <strong>da</strong> fé, que a preten<strong>de</strong><br />
ver implanta<strong>da</strong> na terra <strong>dos</strong> Mundurucus, à margem do Canumã, e i<strong>de</strong>aliza<br />
a conversão <strong>dos</strong> silvícolas, “conquistando fama imorredoura, que levaria<br />
16 Bella Jozef, ob. cit., p. 17.<br />
O ficcionista Inglês <strong>de</strong> Sousa<br />
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