Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus
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A matéria-prima do jornalismo é a realida<strong>de</strong>, e a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> reportar o que acontece no mundo é uma das principais razões<br />
apontadas pelos jornalistas para exercer<strong>em</strong> a profissão. Muito do fascínio<br />
que jornalistas têm pelo seu ofício e pelo relato jornalístico v<strong>em</strong> da i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> estar lidando com a concretu<strong>de</strong> da vida, <strong>de</strong> se lançar ao mundo atrás<br />
dos assuntos, personagens e histórias que estão lá, à espera <strong>de</strong> ser<strong>em</strong><br />
relatados. Para o leitor <strong>de</strong>satento, o jornalismo seduz pela promessa <strong>de</strong><br />
que “tudo o que está sendo relatado <strong>de</strong> fato aconteceu”. Pensar assim é<br />
simplificar as questões que envolv<strong>em</strong> a construção do texto, pois seja<br />
para evocar a realida<strong>de</strong> imaginada pela ficção, seja para representá-la<br />
como referente, trata-se s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> representação – factual ou fictícia,<br />
mas ainda assim representação, como <strong>de</strong>staca Nanami Sato:<br />
Apesar da vocação para o “real”, o relato jornalístico<br />
s<strong>em</strong>pre t<strong>em</strong> contornos ficcionais: ao causar a impressão<br />
<strong>de</strong> que o acontecimento está se <strong>de</strong>senvolvendo no<br />
momento da leitura, valoriza-se o instante <strong>em</strong> que se<br />
vive, criando a aparência do acontecer <strong>em</strong> curso, isto é,<br />
uma ficção. (2002a, pp. 31-32)<br />
Para Daisi Vogel (2005) a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ficção no relato jornalístico –<br />
apesar das controvérsias – <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada a partir <strong>de</strong> duas<br />
perspectivas: a da ficção como “característica intrínseca <strong>de</strong> todos relatos”,<br />
e a da experimentação narrativa inerente ao ato <strong>de</strong> produção e recepção<br />
<strong>de</strong> histórias. A distinção que se faz entre o factual e o ficcional presente<br />
nas narrativas se relaciona à “concretu<strong>de</strong> histórica” ou à “inventivida<strong>de</strong>”<br />
que se percebe nas mesmas. A narrativa como ativida<strong>de</strong> simbólica do<br />
hom<strong>em</strong> e as diversas formas com que é utilizada serv<strong>em</strong> a diferentes<br />
modos <strong>de</strong> ver, compreen<strong>de</strong>r e comunicar o mundo. Verídica ou não, a<br />
narrativa obe<strong>de</strong>ce à lógica da construção discursiva, como predisse<br />
Barthes (1976): “‘o que se passa’ na narrativa não é do ponto <strong>de</strong> vista<br />
referencial (real), ao pé da letra: nada; ‘o que acontece’ é a linguag<strong>em</strong><br />
tão-somente, a aventura da linguag<strong>em</strong>, cuja vinda não <strong>de</strong>ixa nunca <strong>de</strong> ser<br />
festejada.” (p. 60).