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Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

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a polícia. É, portanto, a partir das relações <strong>de</strong> Juliano VP com os outros<br />

personagens – aliados e oponentes – que orientamos nossa análise.<br />

Filho <strong>de</strong> mãe paraibana e pai cearense, Juliano cresceu na<br />

Santa Marta com suas duas irmãs sob os olhos vigilantes dos pais, donos<br />

<strong>de</strong> um micro-mercado, instalado no térreo do barraco <strong>de</strong> dois pavimentos<br />

<strong>em</strong> que moravam. Frequentou a escola até a quinta série, mas foi<br />

reprovado várias vezes por excesso <strong>de</strong> faltas e abandonou os estudos –<br />

fugia da escola para fumar maconha com os amigos. Dos 15 aos 16, fez<br />

cursos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho numa ONG da Santa Marta, a ECO. Na adolescência,<br />

os pais se separaram – o pai alcoólatra batia na mulher – e Juliano foi<br />

morar com a mãe e as irmãs; trabalhava no mercado do pai, mas não<br />

recebia salário. Aos 16 anos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> engravidar uma adolescente <strong>de</strong><br />

13, resolveu que precisava <strong>de</strong> renda e começou a transportar<br />

mercadorias para o comerciante Carlos da Praça – atacadista do tráfico –<br />

na Escadaria:<br />

O pagamento pelos carretos era s<strong>em</strong> critério, não havia<br />

um valor fixo, e Juliano n<strong>em</strong> se preocupava com isso.<br />

Estava eufórico por ter conquistado a confiança do “tio”.<br />

Os pedidos foram se tornando constantes e o material<br />

transportado passou a ser, muitas vezes, <strong>de</strong> alto valor,<br />

<strong>em</strong>bora pesasse pouco, b<strong>em</strong> menos que um<br />

vi<strong>de</strong>ocassete. Numa única s<strong>em</strong>ana, chegou a levar cinco<br />

pacotes retangulares com 200 gramas <strong>de</strong> algum produto,<br />

prensado como se fosse rapadura, para a casa do mais<br />

antigo bicheiro da comunida<strong>de</strong>, Pedro Ribeiro. A<br />

<strong>em</strong>balag<strong>em</strong> era <strong>de</strong> fita a<strong>de</strong>siva, que cobria todos os lados<br />

do retângulo. Para ficar com as mãos livres, Juliano<br />

punha na mochila e partia rápido, mas s<strong>em</strong> correr, e<br />

nunca parava no caminho. Nas viagens <strong>de</strong> volta levava o<br />

equivalente a mil dólares, <strong>em</strong> cédulas, para o barraco <strong>de</strong><br />

Carlos da Praça. Apesar da frequência dos pedidos,<br />

Juliano d<strong>em</strong>orou dois meses para <strong>de</strong>scobrir que os<br />

favores que fazia ao “tio” tinham outro nome. Precisou<br />

ouvir do velho bicheiro para enten<strong>de</strong>r:<br />

- Você já é o melhor avião da Santa Marta.<br />

(BARCELLOS, 2004, p. 74)

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