Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus
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policiais que o procuravam já há bastante t<strong>em</strong>po e levado a salvo para a<br />
ca<strong>de</strong>ia – perceb<strong>em</strong>os um pré-julgamento do repórter <strong>em</strong> relação à atitu<strong>de</strong><br />
da polícia e sua tendência a narrar a história apenas <strong>de</strong> um dos lados. No<br />
contexto <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>u a prisão do traficante, há uma mudança se<br />
<strong>de</strong>senhando nas políticas <strong>de</strong> segurança pública no Rio <strong>de</strong> Janeiro que se<br />
reflete na atuação da polícia, fatos que são relatados pelo exsubsecretário<br />
<strong>de</strong> segurança pública Luiz Eduardo Soares (2000a), e pelo<br />
ex-<strong>de</strong>legado Hélio Luz (SALLES e LUND, 1999).<br />
Se a polícia é truculenta, torturando, perseguindo e matando<br />
s<strong>em</strong> respeitar leis, os traficantes não são menos atrozes. A prática dos<br />
tribunais do Comando Vermelho – adotada pelo CV <strong>em</strong> várias favelas do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, a partir da década <strong>de</strong> 1990 – leva a brutalida<strong>de</strong> do crime<br />
organizado ao Dona Marta, com seu sist<strong>em</strong>a – eficaz e sumário – <strong>de</strong><br />
julgamento e punição. O “julgamento” acontecia para qu<strong>em</strong> roubasse<br />
droga no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> endolação, para qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>latasse os traficantes e<br />
para os inimigos. Como castigo mínimo o tribunal penalizava o “réu” com<br />
um tiro na palma da mão, como castigo máximo, espancamento, tortura e<br />
execução. Os tribunais consolidam, pelo terror, a li<strong>de</strong>rança do trio na<br />
Santa Marta, mas na história contada por Barcellos, Juliano figura<br />
aplicando a pena mais leve e tentando aplacar a cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Raimundinho:<br />
Símbolo da Gran<strong>de</strong> Guerra <strong>de</strong> 1987, quando tinha 14<br />
anos, a franzina Carlinha do Rodo era mais uma das<br />
vítimas do horror dos tribunais promovidos pelo Comando<br />
Vermelho na Santa Marta. Para o carrasco Raimundinho,<br />
o fato <strong>de</strong> ela ter sido uma das pioneiras da quadrilha, namorada<br />
e m<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> um grupo comandado pelo ex-lí<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>les, o Cabeludo, nada <strong>de</strong> importante representava. Era<br />
uma a mais, sujeita às regras que aterrorizavam os<br />
jovens envolvidos ou não nas ativida<strong>de</strong>s da boca. Meses<br />
antes da execução, ela estava jurada <strong>de</strong> morte por<br />
Raimundinho, apesar dos protestos <strong>de</strong> Juliano. Os dois<br />
discutiram muito sobre a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> levá-la aos tribunais<br />
CV.