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Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

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dos sist<strong>em</strong>as contextuais, vale <strong>de</strong>stacar os casos <strong>de</strong> confluência entre<br />

mundo real e mundo literário na autonomia que algumas personagens<br />

ganham ao transitar por universos ficcionais distintos, como observa<br />

Umberto Eco (1994): “Quando se põ<strong>em</strong> a migrar <strong>de</strong> um texto para outro,<br />

as personagens ficcionais já adquiriram cidadania no mundo real e se<br />

libertaram da história que as criou.” (p. 132). São figuras que não se<br />

limitam mais apenas ao mundo do texto, mas sobre as quais as<br />

comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitores investiram passionalmente ao ponto <strong>de</strong> ser<strong>em</strong><br />

transformadas <strong>em</strong> realida<strong>de</strong>s culturais e passar<strong>em</strong> a fazer parte da<br />

m<strong>em</strong>ória coletiva (ECO, 1994, 2003). 45<br />

Operando pela seleção, no plano intertextual ou na esfera do<br />

mundo <strong>em</strong>pírico, o ato <strong>de</strong> fingir conecta-se à realida<strong>de</strong>, mas não se<br />

esgota <strong>em</strong> sua referência. A seleção que Iser <strong>de</strong>screve implica<br />

transgressão quando retira do mundo <strong>de</strong>terminados el<strong>em</strong>entos –<br />

escolhendo, mas também excluindo – e <strong>de</strong>les se apropria para<br />

ressignificá-los, dar-lhes relevo, transformá-los <strong>em</strong> algo outro:<br />

Enquanto eles [os campos <strong>de</strong> referência] representam,<br />

como sist<strong>em</strong>as, a forma <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> nosso mundo<br />

sócio-cultural, a tal ponto coincid<strong>em</strong> com suas funções<br />

reguladoras, que mal são observados; são tomados como<br />

a própria realida<strong>de</strong>. A seleção retira-os <strong>de</strong>sta<br />

i<strong>de</strong>ntificação e os converte <strong>em</strong> objeto da percepção. A<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar-se perceptível, no entanto, não é<br />

parte integral dos sist<strong>em</strong>as correspon<strong>de</strong>ntes, pois só a<br />

intervenção resultante do ato <strong>de</strong> seleção provoca esta<br />

possibilida<strong>de</strong>. (ISER, 1983, p. 388)<br />

As escolhas resultantes do processo <strong>de</strong> seleção, portanto, não<br />

são arbitrárias, mas transgressivas, pois revelam a intencionalida<strong>de</strong> do<br />

45 Eco não escon<strong>de</strong> a obsessão que t<strong>em</strong> pelo personag<strong>em</strong> fictício <strong>de</strong> Conan Doyle, Sherlock<br />

Holmes, que se tornou mo<strong>de</strong>lo para vários personagens da ficção popular – Dr. House, para citar<br />

um ex<strong>em</strong>plo recente, é francamente inspirado <strong>em</strong> Holmes – e, mais que isso, <strong>em</strong>baralhou as<br />

distinções entre ficção e realida<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> fundi-las completamente. Po<strong>de</strong>-se ainda hoje visitar o<br />

que teria sido a casa <strong>de</strong> Holmes <strong>em</strong> Londres num en<strong>de</strong>reço real. Outro ex<strong>em</strong>plo seria a Dublin <strong>de</strong><br />

Joyce, como a apresentam seus fãs, percorrendo o mesmo caminho <strong>de</strong> Stephen Dedalus, <strong>em</strong><br />

Ulisses, e confundindo a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrita no livro com a Dublin do mundo real.

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