Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus
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Consi<strong>de</strong>rada um gênero híbrido 25 que transita entre fato e<br />
ficção, a crônica <strong>em</strong> sua orig<strong>em</strong> esteve ligada ao folhetim, sendo<br />
publicada nos rodapés dos jornais. O cronista era o observador dos<br />
costumes e do cotidiano, o espião da vida, que com sua pena atenta e<br />
b<strong>em</strong> humorada, por vezes <strong>de</strong>stilando ironia, representava o trivial, o<br />
passageiro, o assunto do momento s<strong>em</strong> muita importância. A crônica teria<br />
sido, segundo José A<strong>de</strong>raldo Castello, um laboratório literário para<br />
Machado <strong>de</strong> Assis. Do lugar <strong>de</strong> espectador privilegiado, ele <strong>de</strong>senvolveria<br />
“sugestões e situações <strong>de</strong>cisivas para a ficção.” (apud COSTA, 2005, p.<br />
248). Muitos autores, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, também fariam o mesmo, ao usar a<br />
crônica como experimento para a prosa literária.<br />
Situada entre o efêmero e o perene, a crônica nasce do olhar<br />
subjetivo do cronista, atento ao <strong>de</strong>talhe banal <strong>de</strong> uma notícia ou <strong>de</strong> um<br />
fato qualquer, que registra o circunstancial com humor, ironia,<br />
sensibilida<strong>de</strong> crítica ou lírica. É a negação da notícia. Coloquial, o estilo<br />
da crônica se aproxima da linguag<strong>em</strong> falada e repercute seu hibridismo:<br />
direto, espontâneo, quase jornalístico, quase um bate-papo entre amigos,<br />
com direito às ambiguida<strong>de</strong>s e poliss<strong>em</strong>ias do texto literário. A crônica<br />
seria, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Marcelo Coelho (2002), “uma espécie <strong>de</strong> avesso, <strong>de</strong><br />
negativo da notícia.” (p. 156). Ao voltar o olhar para o corriqueiro, o<br />
aparent<strong>em</strong>ente s<strong>em</strong> importância, o cronista escolhe a singularida<strong>de</strong> que<br />
brota do acaso para verter sua visão <strong>de</strong> mundo através do texto, como<br />
esclarece Antonio Candido:<br />
Por meio dos assuntos, da composição aparent<strong>em</strong>ente<br />
solta, do ar <strong>de</strong> coisa s<strong>em</strong> necessida<strong>de</strong> que costuma<br />
assumir, ela se ajusta à sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo dia.<br />
Principalmente porque elabora uma linguag<strong>em</strong> que fala<br />
<strong>de</strong> perto ao nosso modo <strong>de</strong> ser mais natural. Na sua<br />
25 Utilizamos aqui o conceito <strong>de</strong> híbrido na acepção <strong>de</strong> fusão ou interpenetração <strong>de</strong><br />
el<strong>em</strong>entos diferentes, e <strong>em</strong> suas <strong>de</strong>rivações, conforme <strong>de</strong>finição do Dicionário Houaiss da<br />
Língua Portuguesa: “híbrido adj.s.m. [...] 4. fig. que ou o que é composto <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<br />
diferentes, heteróclitos, disparatados. .” (Houaiss, 2001, p. 1526).