Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus
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pregações reforça uma i<strong>de</strong>ia presente na narrativa, a da religião como<br />
apaziguadora e agregadora, que nunca é probl<strong>em</strong>atizada. O amigo<br />
missionário vai funcionar como voz que pon<strong>de</strong>ra <strong>de</strong>cisões precipitadas.<br />
As mulheres são outra presença marcante na trajetória do<br />
traficante Juliano VP, antes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se tornar o “dono” do morro Dona<br />
Marta. Ele conta com o apoio da mãe biológica, Betinha, da mãe <strong>de</strong><br />
criação, Mãe Brava, e da irmã, Zuleika. Além <strong>de</strong> apoiar<strong>em</strong> Juliano no<br />
crime, as mulheres se organizam para impedir a tomada do morro por<br />
inimigos, principalmente Brava que t<strong>em</strong> prestígio entre os bandidos e<br />
contatos no Comando Vermelho. A amiga e confi<strong>de</strong>nte Luz, única mulher<br />
com cargo <strong>de</strong> confiança na quadrilha <strong>de</strong> Juliano e que, com ele, pensa<br />
estrategicamente as ações da quadrilha é uma espécie <strong>de</strong> contraponto às<br />
pon<strong>de</strong>rações do missionário Kevin, já que ela incita uma tomada <strong>de</strong><br />
atitu<strong>de</strong> mais firme do lí<strong>de</strong>r do tráfico e ações mais violentas. Mulherengo,<br />
Juliano exerce fascínio sobre as garotas <strong>de</strong>ntro e fora da favela, com<br />
várias namoradas, algumas <strong>de</strong>las profissionais b<strong>em</strong> sucedidas das<br />
classes média e média alta do Rio <strong>de</strong> Janeiro. O traficante personifica,<br />
assim, o status sonhado por muitos jovens que entram na vida do crime:<br />
“Muitas mulheres, dinheiro farto, po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> juiz sobre o <strong>de</strong>stino das<br />
pessoas.” (BARCELLOS, 2004, p. 332).<br />
Outra característica do personag<strong>em</strong> é sua aproximação com<br />
alguns intelectuais cariocas. No episódio da gravação do clipe <strong>de</strong> Michael<br />
Jackson na favela, fez <strong>de</strong>clarações à imprensa <strong>em</strong> que falava <strong>de</strong> justiça<br />
social, atraindo a atenção <strong>de</strong> artistas e intelectuais que entraram <strong>em</strong><br />
contato com o traficante para conhecer melhor suas i<strong>de</strong>ias. Em outro<br />
momento, t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong>pois do episódio do clipe, quando estava escondido<br />
da polícia no morro “Juliano criou um ‘diálogo permanente’ entre<br />
traficantes e intelectuais. O t<strong>em</strong>a central das conversas era a violência<br />
que atingia os moradores do morro e assustava a cida<strong>de</strong>.” (p. 408). Os<br />
encontros eram articulados pelo missionário Kevin Vargas. São citados o