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Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

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Barthes volta à questão da linguag<strong>em</strong> e da construção<br />

discursiva num outro momento, <strong>de</strong>sta vez para aproximar a narrativa<br />

histórica da narrativa <strong>de</strong> ficção. Ao retomar o argumento <strong>de</strong> Nietzsche <strong>de</strong><br />

que o fato <strong>em</strong> si, s<strong>em</strong> que se lhe interponha um sentido, não existe,<br />

Barthes (1988) procura <strong>de</strong>svendar o paradoxo do discurso histórico. Para<br />

ele, este paradoxo ocorre porque no discurso histórico “o fato nunca t<strong>em</strong><br />

mais do que uma existência linguística (como termo <strong>de</strong> um discurso), e,<br />

no entanto, tudo se passa como se essa existência não fosse senão a<br />

‘cópia’ pura e simples <strong>de</strong> uma outra existência, situada num campo extraestrutural,<br />

o ‘real’”. (p. 155). Dessa forma, na estrutura s<strong>em</strong>ântica que<br />

comporta significante, significado e referente, o discurso histórico<br />

confundiria o significado com o próprio referente, criando uma ilusão<br />

referencial que Barthes chama <strong>de</strong> “efeito <strong>de</strong> real”, que para além do<br />

discurso histórico estaria presente também <strong>em</strong> outras formas <strong>de</strong><br />

representação como o romance realista e a literatura <strong>de</strong> documento, entre<br />

outras, cuja “estrutura narrativa, elaborada no cadinho das ficções<br />

(através dos mitos e das primeiras epopeias), torna-se, a uma só vez,<br />

signo e prova da realida<strong>de</strong>.” (p. 157).<br />

Esta aproximação com a realida<strong>de</strong>, nos mostra Genette (1976),<br />

se daria pela objetivida<strong>de</strong> narrativa, marcada pelo uso exclusivo da 3ª<br />

pessoa, numa espécie <strong>de</strong> narrativa pura que apagaria a presença do<br />

narrador e apresentaria os fatos como se estes foss<strong>em</strong> narrados por si<br />

mesmos. Entretanto, este seria, acrescentaríamos, mais um efeito <strong>de</strong> real,<br />

uma vez que, se toda narrativa é também um discurso, como ressalta<br />

Genette, “a menor observação geral, o menor adjetivo um pouco mais que<br />

<strong>de</strong>scritivo, a mais discreta comparação, o mais mo<strong>de</strong>sto ‘talvez’, a mais<br />

inofensiva das articulações lógicas” (p. 272) revelariam a voz que fala por<br />

trás da objetivida<strong>de</strong> da narrativa. A objetivida<strong>de</strong> narrativa não seria senão,<br />

ela também, uma ficção.

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