21.05.2014 Views

Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

56<br />

partilhados, <strong>em</strong> um mesmo universo <strong>de</strong> prática e linguag<strong>em</strong>” (GAGNEBIN,<br />

1993, p. 11), num encontro que comporia o espaço social da narração.<br />

A morte das narrativas tradicionais significa, para Benjamin, o<br />

<strong>de</strong>clínio da experiência partilhada entre as pessoas <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>,<br />

visto que a tradição e a experiência não são mais resgatadas e<br />

r<strong>em</strong>o<strong>de</strong>ladas pelas novas gerações. “Contar histórias s<strong>em</strong>pre foi a arte <strong>de</strong><br />

contá-las <strong>de</strong> novo, e ela se per<strong>de</strong> quando as histórias não são mais<br />

conservadas” (BENJAMIN, 1993, p. 205). O <strong>de</strong>clínio <strong>de</strong>sta experiência<br />

partilhada, Benjamin aponta, coinci<strong>de</strong> com uma mudança estrutural na<br />

organização do trabalho e da socieda<strong>de</strong>. Coinci<strong>de</strong> também com a<br />

mudança, a partir do século XIX, na forma como o Oci<strong>de</strong>nte concebe a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong> e enfrenta a consciência da morte. De ocorrência<br />

pública – como o d<strong>em</strong>onstram imagens medievais <strong>de</strong> pessoas reunidas<br />

ao redor <strong>de</strong> alguém que está morrendo – a morte, “cada vez mais expulsa<br />

do universo dos vivos” (p. 207), é con<strong>de</strong>nada à assepsia privativa dos<br />

hospitais. Mas é no momento da morte, pelo “inesquecível que aflora <strong>de</strong><br />

repente”, observa o filósofo, que se revela a autorida<strong>de</strong> do narrador: “É no<br />

momento da morte que o saber e a sabedoria do hom<strong>em</strong> e sobretudo sua<br />

existência vivida – e é <strong>de</strong>ssa substância que são feitas as histórias –<br />

assum<strong>em</strong> pela primeira vez uma forma transmissível” (p. 207). É no<br />

instante do confronto com a morte que o hom<strong>em</strong> assume sua autorida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> narrador, pois ao enfrentar a morte encerra seu percurso no ciclo da<br />

história natural – o fechamento <strong>de</strong>ste ciclo lhe confere a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

que nos fala Benjamin. O hom<strong>em</strong> se entrega à pulsão <strong>de</strong> narrar porque<br />

contar equivale a viver e assim suas experiências, histórias e m<strong>em</strong>órias<br />

se perpetuam nos eventos narrados por outros. É pela m<strong>em</strong>ória, “a mais<br />

épica <strong>de</strong> todas as faculda<strong>de</strong>s” (p. 210), que a tradição se consolida<br />

através das gerações – e é pela r<strong>em</strong>iniscência, estes fragmentos <strong>de</strong><br />

m<strong>em</strong>órias, que se tece a re<strong>de</strong> intertextual que encerra todas as narrativas.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!