Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus
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assum<strong>em</strong> seu papel <strong>de</strong> encenação <strong>de</strong> um mundo que, sob seu domínio,<br />
“é posto entre parênteses, para que se entenda que o mundo<br />
representado não é o mundo dado, mas <strong>de</strong>ve apenas ser entendido como<br />
se o fosse.” (ISER, 1983, p. 400). Neste “como se” do mundo fingido se<br />
dá o caráter transgressivo do texto ficcional que transpõe as fronteiras do<br />
real e se abre para as possibilida<strong>de</strong>s criativas do imaginário, num jogo<br />
lúdico que <strong>de</strong>sperta, no leitor, a experiência da alterida<strong>de</strong>. Importa ainda<br />
<strong>de</strong>stacar que este auto<strong>de</strong>snudamento ficcional se projeta para além da<br />
materialida<strong>de</strong> do texto, no “contrato” que se estabelece entre autor e leitor<br />
do texto literário e que regulamenta o caráter <strong>de</strong> encenação que se<br />
processa na criação e na interpretação do texto ficcional 47 .<br />
Acreditamos que os processos apresentados por Iser sobre a<br />
ficcionalida<strong>de</strong> do texto literário estão presentes <strong>em</strong> muitas outras<br />
construções textuais, e interessa-nos aqui analisá-los sob o prisma do<br />
fazer jornalístico. Para isso é importante enten<strong>de</strong>r como funciona a cultura<br />
profissional, uma vez que ela é <strong>de</strong>terminante na maneira como os<br />
jornalistas vão representar o mundo através <strong>de</strong> suas narrativas e <strong>de</strong> seus<br />
textos.<br />
Nelson Traquina (2005) <strong>de</strong>fine a comunida<strong>de</strong> jornalística como<br />
uma “comunida<strong>de</strong> interpretativa” que partilha <strong>de</strong> estruturas particulares <strong>de</strong><br />
apreensão, percepção e avaliação da realida<strong>de</strong>, orientada pela exigência<br />
performativa <strong>de</strong> dominar o t<strong>em</strong>po e cuja ênfase está centrada no controle<br />
da ação. Esta comunida<strong>de</strong> interpretativa, segundo Traquina, é marcada<br />
pelo imediatismo; pelo pragmatismo; por práticas discursivas; pela visão<br />
47 Tanto Iser (1983) quanto Umberto Eco (1994) reconhec<strong>em</strong> a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>terminar<br />
a ficcionalida<strong>de</strong> apenas por um repertório <strong>de</strong> signos, seja pela multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> signos nas mais<br />
diversas obras literárias, seja porque muitas vezes não há um sinal incontestável da<br />
ficcionalida<strong>de</strong> no texto, e nestes casos o auto<strong>de</strong>snudamento se dá pelo que Eco chama <strong>de</strong><br />
“paratexto”, uma marca indicativa do gênero a que pertence aquela obra: romance, novela,<br />
conto etc.