Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus
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narrativa realista <strong>de</strong> <strong>Abusado</strong> retoma a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um diálogo com<br />
as questões sociais do presente.<br />
Entretanto, se mostra uma parte do probl<strong>em</strong>a, como o<br />
comércio <strong>de</strong> drogas no varejo, a guerra entre as facções do crime<br />
organizado pelo controle <strong>de</strong> territórios nas favelas do Rio <strong>de</strong> Janeiro, sua<br />
crescente militarização e a relação dos bandidos com policias corruptos, o<br />
autor frustra qu<strong>em</strong> pensa encontrar <strong>em</strong> sua narrativa relações mais<br />
profundas entre o lucrativo negócio do tráfico <strong>de</strong> drogas e <strong>de</strong> armas e o<br />
crime organizado fora das favelas, suas relações políticas e os esqu<strong>em</strong>as<br />
<strong>de</strong> lavag<strong>em</strong> <strong>de</strong> dinheiro. Ao direcionar sua lente à favela Santa Marta, ele<br />
parece esquecer que a maior parcela da responsabilida<strong>de</strong> pelo aumento<br />
incontrolado da violência urbana está fora das favelas.<br />
Se foi b<strong>em</strong> acolhido por uma parcela significativa do público e<br />
dos formadores <strong>de</strong> opinião, o livro <strong>de</strong> Barcellos também recebeu inúmeras<br />
críticas. Uma <strong>de</strong>las foi a <strong>de</strong> transformar Juliano <strong>em</strong> herói. Outra, mais<br />
contun<strong>de</strong>nte, foi a <strong>de</strong> ter publicado o livro sabendo que seu conteúdo<br />
explosivo po<strong>de</strong>ria precipitar a morte <strong>de</strong> Marcio Amaro <strong>de</strong> Oliveira, o<br />
Marcinho VP, representado no livro por Juliano. Foi o que acabou<br />
acontecendo, dois meses após o lançamento <strong>de</strong> <strong>Abusado</strong>. O t<strong>em</strong>or do<br />
jornalista a este respeito já havia sido expresso <strong>em</strong> seu primeiro encontro<br />
com o traficante, quando se recusou a escrever a biografia <strong>de</strong>le:<br />
- O probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> um livro <strong>de</strong>sse é a consequência da<br />
notorieda<strong>de</strong>.<br />
- Não entendi.<br />
- Como você prefere ser chamado? De traficante, <strong>de</strong><br />
criminoso...<br />
- Bandido. Bandido!<br />
- L<strong>em</strong>bra do Lúcio Flávio, do Meio-Quilo, do Bolado, do<br />
Brasileirinho?<br />
- L<strong>em</strong>bro. L<strong>em</strong>bro.<br />
- E o que acontece com os bandidos no Brasil quando<br />
ficam mais conhecidos? Alguns são presos e tudo b<strong>em</strong>.<br />
Mas muitos são mortos. Não quero ser instrumento da<br />
morte <strong>de</strong> ninguém.